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Índio pode ir a júri?

Publicado por Caio Gottlieb em

Por Nilso Romeu Sguarezi*

Vimos imagens na televisão de balsas de mineração pegando fogo e sendo explodidas nos rios da Amazonia como operação da Polícia Federal no combate ao garimpo ilegal. Notícia dizia serem centenas e as imagens (se verdadeiras) nos levam a imaginar a imensa quantidade de ouro e minérios que já foram retirados do território brasileiro que são bens da União como prescreve o artº20, da CF. Somente implantado e arrecadado o imposto devido na Serra Pelada no regime militar. Entra governo sai governo – um acusa o outro – e tudo continua como dantes no mar de Abrantes. Haveria país mais rico que o nosso se esta fortuna estivesse aqui em benefício do nosso povo e, especialmente dos indígenas que a milhares de anos preservaram tudo isso? Vale lembrar aos esquecidos de plantão, que foi em 2 de dezembro de 1720, que a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro foi desmembrada pela Coroa Portuguesa, sendo criada a Capitania de Minas, que se tornou conhecida como Minas Gerais.

Mas já em 7 de maio de 1703 o rei Dom Álvaro da Silveira de Albuquerque editou a seguinte lei:

“Eu El Rei vos envio muito saudar. Por ser informado que pelas vilas da capitania de São Paulo há muitos ourives que fundem o ouro em pó e o convertem em cordões, [ilegível], jóias, e outras peças que se não quintam, o que fazem pela grande utilidade que disso lhe resulta, e ser preciso dar-se remédio a este dano; pelo que, resulta aos quintos que tocam a minha fazenda sendo vista esta matéria em junta particular que para este efeito e para outros pertencentes a este negócio mandei fazer. Fui servido ordenar que os ourives que se acharem em qualquer das terras dessa capitania não possam reduzir a barras, nem fazer obra alguma de ouro que não for quintado; e que fazendo paguem o nomeado valor do dito ouro e sejam degredados quatro anos para Angola, e sendo os ourives, escravos, os senhores deles sendo participantes, ou cientes do descaminho, pagarão a mesma pena do nomeado e perderão o escravo para a Fazenda Real, e não sendo participantes, ou cientes, ficará na sua escolha pagarem o nomeado ou perderem o escravo; e da quantia do nomeado será a terça parte para o acusador, e o mais para a Fazenda Real; e para que venha a notícia de todos esta minha resolução me pareceu ordenar-vos a mandeis publicar nas partes necessárias e façais dar a execução pelo que vos [ilegível].

Escrita em Lisboa a 7 de maio de 1703.

Que um dos motivos da inconfidência mineira, tentativa da independência da colônia, a causa era estes abusivos 20% (um quinto) do ouro extraído que levou Tiradentes à forca esquartejamento e ficou conhecido como o QUINTO DOS INFERNOS.

Influenciados pelas ongs e grileiros interessados em toda esta dilapidação do nosso patrimônio, volta-se a discutir a questão da demarcação das terras indígenas, que já estava pacificada pelo marco temporal da constituição, aliás nos seus dois últimos artigos, 231 e 232. Lembro ter me manifestado contra o parágrafo 7º do art.231, que proibiu a formação de cooperativas aos indígenas explorarem o garimpo. Minha posição era da experiencia que tivera na reserva indígena do município de Mangueirinha aqui no Paraná.

Existia na Comarca de Chopinzinho no Paraná, no Cartório do Crime (ainda não existia a Vara Criminal) uma denúncia de homicídio qualificado contra um indígena oriundo da Reserva de Mangueirinha. O réu era um mendigo, sem condição de pagar honorários de advogado. Já haviam sido nomeados 7 defensores dativos, mas ante a gravidade do crime nenhum aceitara a incumbência de defendê-lo. O homicídio ocorreu na cidade de Chopinzinho no ano de 1964 e o réu foi preso em flagrante. Vítima e réu eram o que hoje se chama hoje de pessoas de rua, porquanto sempre andavam juntos perambulando pela cidade. A vítima era mais velha, com 50 anos de idade e fora um dos expedicionários brasileiros a combater os alemães na guerra da Itália. Perdera sua perna esquerda em combate. Recebia modesta pensão e orgulhosamente carregava no bolso do seu inseparável casaco esgarçado pelo tempo e uso, ou as vezes exposta no peito presa pela fita verde amarela e azul a medalha e faixa da sua condecoração como herói de guerra. As vezes faziam serviços braçais de limpeza de terrenos ou pequenas capinadas para ganharem comida e uns trocados para a cachaça inseparável que caracterizava aquelas duas esquálidas vidas. Um dia ambos embriagados se desentenderam e o bugre (como era chamado) matou o companheiro de infortúnio com várias facadas no peito.

Formado advogado e começando em 1967 minha advocacia no Sudoeste do Paraná, comecei a ter clientes na Comarca de Chopinzinho onde inclusive já tinha feito júri. O Juiz da Comarca, depois de uma audiência me entregou um volumoso envelope com um processo dentro, pedindo que o levasse para dar uma estudada e, se eu aceitaria patrocinar gratuitamente a defesa, pois que faltava apenas fazer o júri do indígena. Quando abri o volume vi aquela fita ensanguentada e perfurada pelas facadas que matara o infeliz homem pois foram juntadas aos autos junto com as fotos da vítima com o peito perfurado pelas facadas que o mataram. Foi um impacto foi inesquecível. Estávamos então no ano de 1968 e a imprensa dava grande cobertura sobre as tentativas de exploração dos pinheiros da Reserva Indígena de Mangueirinha por parte madeireiros interessados na grande floresta de araucária angustifólia o pinheiro paranaense.

Ainda agora na semana passada, novamente a TV mostrou pinheiros sendo clandestinamente derrubados no meio da grande reserva e indo parar em serrarias para corte de madeira, enquanto e mais uma vez, os governantes discutem sobre o marco temporal das reservas indígenas, mas não dizem como os indígenas devem fazer delas.

Folhando o processo, lembrei-me que numa aula de direito penal em que o professor citou e comentou que Anibal Bruno explicava que os indígenas só não foram considerados inimputáveis pelo Código Penal de 1940, para não parecer ao mundo civilizado, que o Brasil ainda era uma terra de selvagens. Dos autos também estava a prova que o réu não abandonou o local do crime e foi preso chorando e tentando reanimar a vítima, apesar de sua total embriaguez.

Aceitei a tarefa e fui nomeado seu defensor.

Saindo do fórum fui até a Cadeia Pública onde estava preso o réu para conhecê-lo. Fiquei então sabendo que ele jamais tinha ficado encarcerado porque era o faxineiro da Delegacia e ajudava os policiais em outras tarefas, inclusive aprendera a ler e escrever no tempo da prisão. Na época a prisão preventiva era compulsória em casos de crimes contra a vida.

Vi um homem alquebrado e envelhecido que tinha menos de 40 anos.

Pelos policiais que me atenderam fiquei sabendo que vivia rezando e pedindo perdão por ter feito aquilo ao seu amigo.

No dia do Júri o Promotor não gastou mais que 15 minutos para fazer a acusação. Na época o tempo da defesa era de 2 horas e mais uma se tivesse treplica. Gastei minhas duas horas num relato pormenorizado sobre a marginalização dos índios desgarrados da tribo e do abandono que a sociedade e governo tratava também os heróis de guerra, mas com muita ênfase recordei aos jurados sobre a cobiça dos brancos na riqueza da reserva florestal dos índios de Mangueirinha e no garimpo criminoso nas reservas amazônicas. Também abordei a semi-imputabilidade daquele homem e do seu total estado de inconsciência pela embriagues, bem como do seu lamento imediato, como consequência de estar sob o efeito alcoólico e a circunstância de não ter fugido e abandonar a vítima. Terminei minha defesa encarando os jurados (4 homens e 3 mulheres) questionando se a sociedade tinha moral de punir aquele homem que já estava deserdado pela própria sociedade de condições mínimas que um ser humano tinha direito. Terminado o meu tempo o velho e astuto promotor, macaco velho, como se diz no jargão forense do interior, rasgou elogios ao meu trabalho e pediu que se constasse em ata um voto de louvor em minha homenagem por ter tão brilhantemente estudado a questão. Mas em poucas e simples palavras desmontou minha tese defensiva. Aproximou-se do réu e disse:

“Dr. Sguarezi, o senhor fez uma brilhante defesa para uma pessoa que não existe”. E chegando perto do réu pediu que ele ficasse de pé e o conduziu ao seu lado pra ficarem ambos de frente para os jurados. Solenemente o acusador abriu sua beca mostrando que estava usando uma camisa simples de manga curta e uma calça jeans, calçando simples alpargata. Tocando no réu, mostrou que este estava elegantíssimo de terno de casimira, camisa branca e gravata com lindas cores, com sapatos bem lustrados dando a aparência de um notável empresário. Mas ao final foi justo e pediu que atentassem bem para a dosagem da pena.

Na breve pausa que o Juiz deu para que retomasse minha defesa, fiquei sabendo que os policiais querendo ajudar o miserável homem vestiram-no com o terno de um deles e sapatos de outro. A partir daquela experiencia, nas dezenas e dezenas de juris que fiz, sempre tinha a preocupação de instruir os réus como deviam se comportar e trajar durante a sessão do júri, em que a aparência do acusado ajuda sobremaneira ao defensor construir sua imagem de inocência. Minha tréplica foi sucinta e apenas expliquei em que circunstâncias ele apareceu trajado até mais elegante que o promotor. Clamei que por já estar preso por a anos e ter demonstrado bom comportamento e inclusive ter se alfabetizado. Em apertado escore de 4 x 3, foi condenado, mas também nos outros quesitos os jurados foram unanimes em não agravar o crime e aceitar todas as atenuantes levantadas.

Terminada a sessão o pobre índio veio me abraçar e agradecer com lágrimas nos olhos.

Impossível para mim, esquecer o drama dos quase um milhão de indígenas que ainda vivem e continuam a ser explorados pelas ongs e políticos demagogos que os usam como inocentes para pregarem suas ideologias progressistas, mas não permitem que eles próprios explorem suas imensas reservas.

“De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem hoje 1.652.876 indígenas. Neste contexto, são levados em conta os dados sobre terras indígenas do Isa, que são elaborados a partir de informações publicadas no Diário Oficial da União. De acordo com o Instituto, o Brasil tem hoje 117.537.905 hectares de terras indígenas. Sendo assim, se considerarmos o total de terras já demarcadas, ou seja, mais de 117 milhões de hectares, cada indígena detém, pelo menos, 71 hectares. Se comparados a campos de futebol de 105 metros de comprimento por 68 metros de largura, cada indígena teria direito a uma área de aproximadamente 99 campos de futebol” ou seja: menos de 1% da população, detém 13.75% do território brasileiro, ou como dizem os representantes do agronegócio; “É muita terra para pouco índio”.

(Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/demarcacao-de-terras-no-brasil-cada-indigena-tem-direito-a-uma-area-equivalente-a-99-campos-de-futebol/)

Será que o STF acha que é pouco e é preciso dar mais terra aos índios?

*Nilso Romeu Sguarezi, advogado, ex-deputado constituinte de 1988, defensor da tese da CONSTITUINTE EXCLUSIVA, para escrever uma NOVA CONSTITUIÇÃO, com eleição dos constituintes sem fundo eleitoral, candidatos sem filiação partidária, com 50% para homens e mulheres e inelegibilidade de 10 anos para quem for eleito para escrever a nova constituição.


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