A fala do trono – Lula fez comparação desonesta com o Holocausto
Por Alexandre Schwartsman*
Peço desde já desculpas aos eventuais leitores e leitoras que vieram aqui em busca de assuntos econômicos e prometo voltar a eles em breve, mas hoje quero tratar de um assunto que me parece ainda mais grave que os problemas do país naquela área: a fala irresponsável do presidente Lula comparando o conflito em Gaza ao Holocausto.
Segundo Lula, “o que está acontecendo em Gaza não existe em nenhum outro momento histórico (grifo meu). Aliás, existiu quando Hitler decidiu matar os judeus”. Não faltam barbaridades no discurso presidencial.
A começar pelo desconhecimento (ou omissão deliberada) de vários outros eventos muito piores do que o atual, como o genocídio promovido pelos hutus contra os tutsis em Ruanda (800 mil mortos). Ou o Grande Salto para a Frente na China (15 milhões de mortos, a menor estimativa), ou ainda 1,5-2,0 milhões de mortos no governo do Khmer Vermelho, no Camboja. Para ficar em casos mais recentes, 600 mil mortos em Tigray, na Etiópia, outros 600 mil na guerra civil síria, ou ainda 380 mil no Sudão do Sul.
Há várias outras instâncias, mas já temos o suficiente para entender que a afirmação presidencial não se sustenta. Apenas revela seletividade preocupante, seja em termos de quem decidiu apontar, mas principalmente no que se refere a quem omitiu: governos identificados com o autodenominado “Sul Global”, os mesmos que considera aliados.
À parte a curiosa seletividade, a comparação das ações israelenses com o genocídio nazista é inaceitável em várias dimensões. Judeus não invadiram a Alemanha matando, violando e sequestrando seus cidadãos. Também não lançavam foguetes, não possuíam uma milícia armada de 30-40 mil soldados, muito menos se escondiam atrás de civis em túneis e bunkers financiados pela ajuda externa.
No Holocausto, mais de um terço da população judaica mundial foi assassinada de várias formas por serem judeus, sem qualquer alternativa a não ser aguardar seus carrascos. Em contraste, a guerra em Gaza acabará assim que o Hamas e seus aliados concordarem em depor as armas e libertar os reféns que tomaram no nefasto 7/10. Simples assim.
À luz de tudo que foi dito acima, Lula não apenas promoveu o possível maior desastre diplomático da nossa história, como também finalizou com méritos seu processo de desqualificação para qualquer papel de mediação nesta crise, seguindo firme nas pegadas de sua decisão de apoiar a denúncia da África do Sul à Corte Internacional de Justiça.
Nosso atual governo não consegue pensar o mundo para além dos estereótipos da Guerra Fria, padecendo de um antiamericanismo tosco que sem maiores esforços adquire tons sombrios de antissemitismo, convenientemente disfarçado de “antissionismo”. Não por outro motivo, Lula foi louvado… pelo Hamas.
Ao final das contas, depois de um governo lamentável em várias dimensões, mas em particular na política externa, que nos afastou do eixo de países responsáveis, conseguimos a façanha de uma nova administração, ideologicamente oposta à anterior, e ainda assim igualmente desastrada na frente externa.
Nosso atraso não é improviso; é intenção.
Alexandre Schwartsman, 61, é doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley e ex-diretor do Banco Central do Brasil (@alexschwartsman, e aschwartsman@gmail.com).