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Perderam o medo e a vergonha

Publicado por Caio Gottlieb em

Poucas vezes se viu as entranhas mafiosas da casta governante do Brasil serem tão escancaradas como na matéria que Malu Gaspar publicou em sua coluna n’O Globo nesta quinta-feira, 29, ao descrever os bastidores de mais uma edição do famoso Fórum Jurídico promovido anualmente na linda Lisboa (convenientemente bem distante daqui) pelo ministro Gilmar Mendes, o poderoso decano do Supremo Tribunal Federal.

Talvez tenha sido o retrato vivo mais revelador já feito das relações promíscuas que formam há décadas a sórdida sociedade comandada pelos chefões das instituições da República, financiados e controlados pelo poder econômico e financeiro do grande empresariado nacional, todos juntos com o propósito de colocar o país a serviço de seus mais nocivos interesses.

Em texto franco e direto, intitulado “Lisboa é uma festa”, com boas pitadas de humor e sarcasmo, a jornalista relata a intensa jornada social, em ritmo de tirar o fôlego, que permeou o evento, onde acontecia, ao sabor de suculentas bacalhoadas e dos excelentes vinhos portugueses, o que mais importava a todo mundo: tráfego de influência e grandes negócios.

Teve de tudo: políticos investigados na justiça confraternizando fraternalmente com magistrados; empresários ricos estreitando laços com ministros em conversas ao pé do ouvido; e lobbies explícitos trabalhando pela nomeação de juízes para as cortes superiores.

Era, enfim, o “sistema” em plena atividade.

Aí vai a crônica da Malu na íntegra:

“O último domingo marcou o aniversário do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas o dia não lhe trouxe boas notícias. A revista Piauí e a Folha de S.Paulo publicaram que a Polícia Federal havia encontrado no carro do motorista de seu ex-assessor Luciano Cavalcante anotações de pagamentos de quase R$ 500 mil para um certo ‘Arthur’. Cavalcante é um dos alvos do inquérito que apura o desvio de R$ 8 milhões na compra de kits de robótica para escolas de Alagoas com dinheiro do orçamento secreto.

Lira não se abalou. Naquela noite, ele e a namorada celebraram com amigos no Praia no Parque, um bar de Lisboa sediado no elegante Parque Eduardo VII. À mesa, além do vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), e do vice-presidente do União Brasil, Antônio Rueda, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes era paparicado pelos comensais.

O grupo estava entre os mais de mil inscritos para o Fórum Jurídico promovido na capital portuguesa pelo IDP, faculdade de Direito fundada por Gilmar e hoje dirigida por seu filho.

Nos três dias do fórum, que terminou ontem, foram realizadas dezenas de palestras. A programação que mais interessava aos convidados era a intensa agenda paralela, que rendeu ao evento o apelido de ‘GilmarFest’ (ou ‘Gilmarpalooza’).

O que não faltou foram almoços, coquetéis e jantares grátis para os convidados de Gilmar. Só no domingo em que Lira comemorou o aniversário, o cientista político e advogado Murillo de Aragão ofereceu um almoço em Cascais para o dono do portal jurídico Migalhas, Miguel Matos. A mulher de Matos, Daniela Teixeira, é candidata à vaga aberta no STJ para um integrante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

No final do dia, o sócio da Riachuelo Flávio Rocha deu um coquetel pela entidade empresarial Esfera em sua cobertura na Avenida Liberdade, endereço nobre de Lisboa. Além de Gilmar e de Luís Roberto Barroso, que presidirá o STF a partir de outubro, atenderam ao convite André Mendonça e os ministros de Lula José Mucio (Defesa), Jorge Messias (AGU) e Vinícius Carvalho (CGU).

No final da noite, a Azul juntou num restaurante cerca de cem participantes do fórum. Gilmar deu uma passadinha, antes de encontrar Lira e sua turma. Na segunda-feira, lá estava o ministro de novo, no jantar em que o BTG reuniu 25 VIPs em torno de seu controlador, André Esteves, no sofisticado restaurante Eleven — os ministros de Lula, os do Supremo e o próprio Lira, além do dono da Cosan, Rubens Ometto, e do presidente do conselho do Bradesco, Luiz Trabuco.

Na terça, numa celebração maior, o banco fechou outro local badalado, o Sud, para centenas de convidados se divertirem à beira do Rio Tejo.

Em meio a drinques e canapés, candidatos a vagas em tribunais faziam seu lobby, enquanto empresários e advogados cortejavam ministros de Cortes superiores e autoridades com postos estratégicos tão longe dos olhos do público.

O fórum está em sua 11ª edição, e hoje parece que ninguém mais se espanta com o fato de ministros do Supremo e autoridades da República confraternizarem com prepostos de empresas e de interesses bilionários sobre os quais fatalmente terão de decidir.

Tampouco incomoda que toda essa gente precise ir até Lisboa para discutir assuntos que só dizem respeito ao Brasil, muitas vezes com passagens e hospedagem pagas com o dinheiro público.

Ninguém mais parece lembrar que a parceira do IDP no evento, a FGV, foi alvo no ano passado de outra operação da PF, sobre uma organização criminosa que vendia pareceres jurídicos para ajudar no desvio de dinheiro do governo do Rio nas gestões de Sérgio Cabral.

A operação durou menos de 48 horas. O próprio Gilmar suspendeu tudo, alegando falta de competência do juiz federal que a determinara. Independentemente de quem tenha razão, não é difícil constatar aí um caso clássico de conflito de interesses.

Nos primeiros anos, Gilmar ainda respondia aos questionamentos sobre o fórum, sempre garantindo que não havia nenhum problema ou conflito. Hoje nem se preocupa mais em fazê-lo. Estamos todos, afinal, festejando a vitória da democracia sobre o obscurantismo, do Estado de Direito sobre a destruição das instituições.

Foi esse, aliás, o tema da fala de Lira na palestra inaugural do fórum, ao lado de Gilmar. Enquanto ele discorria sobre “Estado Democrático de Direito e Defesa das Instituições”, a PF encaminhava ao Supremo o relatório dos pagamentos a ‘Arthur’ – evidência de que, para a corporação, há envolvimento de autoridade com foro privilegiado.

Lira, porém, estava à vontade e foi bastante aplaudido. O fórum é um sucesso – e Lisboa, uma festa.”

Ficou indignado? Relaxa. O importante é que o amor venceu.

Categorias: OPINIÃO

4 comentários

Waldyr campos de moura · 03/07/2023 às 09:39

Que esse país volte a ser uma democracia não ao comunismo….bom dia brasileiros….

DALE DANGELE SETTE FERNANDES FIALHO · 01/07/2023 às 12:17

É simplesmente inacreditável que o que acontece em lisboa seja apenas uma ponta de toda a desgraça aqui estão submetidos desse nosso país comandado pelos crápulas que se encontram alojados do poder. Luz de uma cessação de nojo e ódio mas não podemos desistir de tentar resgatar o nosso país e devolvê-lo para os trilhos em que ele andou durante os 4 anos em que jair bolsonaro foi o nosso presidente.

Antônio Gomes - advogado · 01/07/2023 às 12:10

Estou indignado com tanta promiscuidade. O Brasil virou um antro de prostituição. Muito atual o vaticino do grande jurista e político brasileiro, Rui Barbosa:
“De tanto ver triunfar as nulidades;
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça.
De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

Leandro Salomão · 01/07/2023 às 12:06

Ótima matéria e a Imundície vem a Lume,
Mais uma vez, algo público e notório vem a tona.
A promiscuidade e falta de decência e caráter dos membros dos 3 poderes da República
é público e notório no submundo do poder do lobby e a corrupção neste governo, perderam o medo, pois não há quem os impeça de suas decisões tiranas e ilegais. A corrupção e o conchavo são a matéria prima da podre e corrompida estrutura política de nosso país, e o cidadão de bem não pode se iludir que há alguém que se salve, o sistema ê bruto e suga a todos, do mais provínciano deputado ao mais pomposo Senador.
Voltando ao caso do evento do IDP em Portugal, essa vergonha ocorre com frequência com a supervisão e patrocínio do poder público, não esquecemos dos escândalos da Usina de Itaupu patrocinando este tipo de patuscada.
No mais, nenhuma novidade, aliás alguns nomes e envolvidos conheço e sei como operam.
O portal Migalhas é do Banco BTG o qual é ainda investigado por fraudes e desvio no fundo de pensão PREVI para a construção dos navios sondas pela empresa SETE BRASIL, que surripoiu os cofres públicos e os fundos de pensão e não aconteceu nada, não preciso dizer o porquê.
No caso do MAFIOSO Ministro Gilmar Mendes, é público e notório em Brasília e qualquer advogado chulé, sabe que sua esposa advoga e é lobbysta em todos os Tribunais Superiores e o seu sócio no IDP que é membro da PGR é a linha de acesso ao caudilho do STF para compra de decisões e usufruto (“caro”) de sua quitanda de venda de Habeas-Corpus, para todos os políticos corruptos e ladrões desta republiqueta.
Pois bem, colocaram um ladrão para ser Presidente do País, o resto é um detalhe neste pântano imundo que é Brasília.
O Brasil acabou como Estado e nação, porém não é interessante avisar o cidadão de bem e ao eleitor que mantém esta corja toda lá.
# Jail for Everyone#

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