De adversários mortais a sócios do Petrolão
Em 1989, Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva duelaram ferozmente no segundo turno da primeira eleição presidencial direta após o regime militar.
De um lado, o jovem caçador de marajás que circulava em Ferraris e Lamborghinis. Do outro, o operário messiânico que prometia varrer a corrupção com a vassoura da esperança.
A disputa, marcada por baixarias, dossiês apócrifos e agressões de todo tipo, foi uma aula prática de tudo que a política brasileira teria de pior nas décadas seguintes.
E o tempo, esse implacável narrador de ironias, tratou de juntar o que a retórica separava. Collor e Lula, inimigos figadais no palanque, acabaram cúmplices discretos nos bastidores da história.
Décadas depois da campanha encarniçada, Lula esqueceu a briga com a generosidade típica dos que aprenderam que no Brasil sempre cabe mais um no balcão dos interesses: premiou Collor com duas diretorias na BR Distribuidora, a jóia escondida da Petrobras, de onde jorravam não petróleo, mas contratos e propinas.
Ali, Collor, em troca de apoio a Lula no Congresso Nacional, montou seu feudo particular: postos de combustível, operações milionárias, e, segundo a Polícia Federal, cerca de R$ 20 milhões em vantagens indevidas.
Tudo sob o olhar complacente do petismo, que transformou o escândalo do Petrolão num condomínio fechado para aliados de diferentes matizes — desde que fiéis à partilha do butim.
Sim, o Collor dos carrões de luxo importados, estacionados na “Casa da Dinda”, não é apenas personagem do passado.
É o retrato fiel de uma elite política que nunca desceu do palanque nem largou a chave do cofre.
E é impossível falar do Collor da era Dinda sem lembrar de seu fiel escudeiro e operador, PC Farias — o tesoureiro da campanha milionária, o homem que conhecia todos os atalhos da corrupção e que, anos depois, foi encontrado morto em circunstâncias nebulosas junto de sua namorada, numa cena digna dos roteiros mais sórdidos da política tropical.
A pergunta que nunca se calou ecoa até hoje: quem mandou matar PC Farias?
O silêncio ensurdecedor sobre esse crime é o epitáfio perfeito de uma era em que a verdade foi enterrada junto com os protagonistas incômodos — e a corrupção seguiu viva, reencarnada em novas alianças.
É revelador — e triste — que os dois protagonistas de 1989, que deveriam simbolizar a renovação da República, tenham se encontrado anos depois na mesma trincheira da lama.
Collor e Lula não eram, afinal, opostos: eram faces diferentes da mesma moeda corrompida.
A diferença foi apenas de esperteza estratégica. Collor, órfão de padrinhos togados, confiou na sorte e terminou vendo seu destino ser selado no Supremo Tribunal Federal. Lula, mais sagaz, tratou de nomear ministros em série — um investimento de alto retorno — e assistiu, entre sorrisos e “descondenações”, a reversão de suas próprias sentenças.
A prisão de Collor, decretada agora por Alexandre de Moraes, não é a catarse moral que muitos tentam pintar. Não há heroísmo, nem súbita indignação ética no ato. É apenas a liturgia da punição seletiva: alguém precisava ser sacrificado para preservar a aparência de que a Justiça ainda funciona.
Collor caiu como um peão conveniente no tabuleiro, útil para lavar a imagem de um Supremo que, há muito, abandonou a toga da imparcialidade.
Hoje, Lula atravessa um terceiro mandato amargo, encastelado no poder, mas acuado por denúncias, impasses econômicos e um governo que cambaleia para se sustentar.
Ao mesmo tempo, o escândalo bilionário do INSS, turbinado em sua gestão, desaparece ao menos momentaneamente das manchetes — ofuscado pelo circo moralista de mais uma prisão espalhafatosa.
O passado, esse professor cruel, faz novamente seu alerta: desconfiem dos aventureiros que prometem redenção nacional com uma mão e, com a outra, assinam os contratos do saque.
Collor e Lula, no fim, não foram água e vinho. Foram a mesma substância fétida disfarçada de esperança — servida em taças de cristal à multidão sedenta por mudança.
E nós, os pagadores de impostos e de ilusões, continuamos assistindo ao espetáculo, sabendo que, no Brasil, até os antagonistas mais ferrenhos acabam brindando juntos… sobre as cinzas da República.