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Banquete climático sobre o lixão amazônico

Publicado por Caio Gottlieb em

Belém se prepara para receber a COP30 com pompa, discursos e — claro — um hotel cinco estrelas para a elite ambiental global. Tudo isso em meio a uma coreografia de obras apressadas, avenidas improvisadas e maquiagem institucional. É a grande encenação verde, onde o Brasil tenta se apresentar como anfitrião da salvação planetária, enquanto esconde o alagamento moral e físico sob o carpete da diplomacia tropical.

A capital paraense, vitrine do evento, é também um dos piores exemplos urbanos daquilo que a COP diz combater. Apenas 6,28% do esgoto da cidade é coletado — um número que faria corar até uma vila do século XIX. A coleta de lixo falha para 12% da população. O aterro que recebe os resíduos já transborda. Os bairros se afogam em alagamentos. O trânsito é um colapso diário. O aeroporto não comporta a marola, que dirá a maré de voos internacionais. E a cobertura vegetal da cidade? É tão escassa que mais parece um trocadilho cruel com a palavra “Amazônia”.

Mas nada disso importa, desde que a Vila Líderes — novo nome para o resort diplomático que Itaipu está bancando — esteja em dia para receber os convidados. Um complexo com 500 suítes cinco estrelas, instalado ao lado do Parque da Cidade, com acesso direto à Blue Zone do evento. Para isso, R$ 200 milhões foram prontamente carimbados pela hidrelétrica binacional. E essa é só a entrada do banquete: mais de R$ 1,3 bilhão estão sendo desembolsados pela usina, num cardápio de obras que pouco têm a ver com geração de energia e muito com cenografia oficial.

Enquanto os moradores de Belém seguem enfrentando lama, lixo e abandono, os líderes mundiais degustarão seus cafés da manhã orgânicos com vista para a floresta — ou o que restar dela, depois da construção da nova Avenida Liberdade, que pretende cortar 13 quilômetros de vegetação protegida. Tudo em nome da logística.

A Itaipu, por sua vez, alega que os recursos fazem parte de sua “missão socioambiental”. Uma criatividade semântica digna de roteirista de cinema. Afinal, trata-se da mesma usina que quitou sua dívida histórica e poderia estar amortizando as contas de luz dos brasileiros — mas prefere investir em palmeiras ornamentais e lençóis de mil fios para diplomatas. Detalhe: como binacional, não presta contas a nenhum órgão de controle brasileiro. Uma caixa-preta com vista panorâmica.

E o mais curioso — ou trágico — é que tudo isso acontece no pior momento possível para o discurso verde global. Com os Estados Unidos liderando uma nova onda de protecionismo econômico, com tarifas bilionárias, disputas comerciais e desglobalização em marcha acelerada, a última coisa que as grandes nações parecem dispostas a financiar é o reflorestamento alheio.

O mundo real está em guerra comercial — e a COP, mais do que nunca, parece um salão de espelhos ideológicos.

Uma cidade afunda no lixo, a floresta some no asfalto, e o discurso sobe ao palanque. Eis a nossa contribuição ao clima.

Categorias: OPINIÃO

2 comentários

Augusto Fonseca da Costa · 10/04/2025 às 10:18

Excelente artigo, apenas ressalvo que as grandes nações parecem dispostas a financiar de fato não o reflorestamento alheio, mas sim o preservacionismo radical e irracional que já transformou o Brasil em reserva extrativista de commodities, impedida de concorrer competitivamente com o agronegócio e a indústria do primeiro mundo. Para isso vem crescendo o bolo custo-Brasil com o fermento de legislação trabalhista,indigenista, ambientalista, que impedem o uso econômico agro-silvi-pastoril de 18% do território nacional em Unidades de Conservação, 13% de terras indígenas, além de um percentual não definido de quilombolas, assentamentos improdutivos de Reforma Agrária, etc..

Carlo Barbieri · 10/04/2025 às 09:23

Um triste mas retumbante realidade, que o grande jornalista e comunicador Caio traz para nosso escarnio.

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