O Brasil e sua vocação para transformar fichas criminais em currículos políticos
No país onde até o Código Penal já perdeu a fé na Justiça, não surpreende que José Dirceu tenha reaparecido com pompa e circunstância, como se fosse um herói libertado após anos injustamente confinado em uma masmorra medieval.
Aos 79 anos, o velho operador de bastidores — condenado no Mensalão, no Petrolão e no que mais pintar pela frente — celebrou aniversário com uma recepção que mais parecia uma convenção de reis depostos à espera de uma revolução redentora.
Não faltaram figurões: presidentes de poderes, ministros de Estado, parlamentares de esquerda, de direita e de quem estiver disponível no horário. Todos lá, sorridentes, no tradicional “beijamão” do comandante, que parece ter virado uma espécie de Dalai Lama da impunidade brasileira. Afinal, no Brasil, a única cadeia que dá certo é a alimentar.
Dirceu, reabilitado pelos tapetões do STF e do STJ, onde condenações são apagadas com a mesma naturalidade com que se pede cafezinho no gabinete, já ensaia sua volta às urnas em 2026. Quem sabe deputado federal, quem sabe ministro em um possível Lula 4 — ou, por que não, algo ainda mais ambicioso. A lista de cargos só não inclui “santo” porque, no Brasil, beatificação demora mais do que um processo no Judiciário.
O rega-bofe também trouxe de volta fantasmas antigos, como o renomado Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, que chegou a ser expulso da sigla quando caiu em desgraça ao ser apanhado com a boca botija, desfilando como se jamais tivesse deixado o palco.
Tudo isso sob o olhar cúmplice de setores do poder que, de tão calejados, já nem ruborizam mais. E enquanto Dirceu distribui conselhos e autógrafos políticos, a Lava Jato jaz sepultada no fundo de alguma cova rasa, soterrada por votos do Supremo e por um establishment que sempre soube muito bem como se proteger.
O Brasil segue, então, fiel à máxima não escrita da sua história: aqui, quem cai para cima é rei, e quem rouba bem ainda ganha festa para ser adulado e paparicado. Justiça? Só se for a poética — e mesmo assim, em prosa ruim.