Voto distrital é viável e necessário no Brasil
Por Nilso Romeu Sguarezi*
Várias tem sido as tentativas de reformar nosso sistema eleitoral, quer para adotarmos o voto impresso, bem como abolir o voto proporcional. São inúmeros projetos de lei e propostas de emendas constitucionais que existem no Congresso pela mudança para o voto distrital puro ou misto. Estas tentativas vêm acontecendo desde a Constituinte de 1988. Nos últimos 35 anos deste sistema de voto proporcional, como profeticamente disse Ulisses Guimarães, ao responder à reclamação de um deputado descontente com qualidade e nível de muitos parlamentares daquela legislatura da constituinte, disse: “Se não estas satisfeito, com a atual legislatura, espere a próxima para ver como vai ficar”. Parece que o Velho Ulisses estava prevendo que o pior ainda estava por vir. E veio.
De fato, a qualidade e nível dos integrantes das últimas legislaturas brasileiras piorou a olhos vistos. A cada eleição que passa o voto proporcional vem produzindo verdadeiras excrecências na representação popular. Já existem mais de 30 partidos registrados e dezenas aguardam registro na Justiça Eleitoral. Mais recursos dos impostos são consumidos para financiamento das eleições e uma caixa preta dos partidos comprova, sem que se registre uma evolução e melhoria do nosso parlamento.
Vota-se na mulher e elege-se homem, como foi o caso da Deputada Estadual Janaina Pascoal em 2018, no Estado de São Paulo, que ao fazer mais de dois milhões de votos (a mais votada do Brasil) conseguiu eleger mais 10 candidatos do seu inexpressivo PRTB, sendo que dos 10, nada menos e nada mais que 8 carregados com seus votos eram homens. Ano passado no Mato Grosso do Sul a deputada federal Rosa Neide (PT), não foi reeleita apesar de ser a mais votada do estado com 124 mil votos, porque a tal federação partidária não atingiu quociente eleitoral. Estas distorções e anomalias na representação popular, vem deste anacrônico sistema do voto proporcional, que vem impedindo a formação de autênticos partidos. E como resultado direto disso, assistimos gradativamente o encarecimento das eleições à custa dos nossos impostos. Vale relembrar que na última eleição de 2022, foram gastos R$ 4.961.519.777,00. (https//www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Junho/tse-divulga-nova-tabela-com-a-divisao-dos-recursos-do-fundo-eleitoral-para-2022)
Estados Unidos, de quem fizemos um arremedo de cópia do sistema presidencialista, ao contrário de nós, adota o voto distrital para a eleição dos seus 435 deputados federais, os quais tem um mandato de apenas 2 anos. Temos população menor que os EUA, mas elegemos 513 deputados com longos mandatos de 4 anos. Em suma, com menos 120 milhões de habitantes, elegemos 78 deputados a mais e ainda com o dobro do tempo de mandato, ou parafraseando Bóris Casoy: “é uma vergonha”.
Na maioria dos países desenvolvidos prevalece o voto distrital ou então, como na Alemanha, é usado o sistema misto de 50% de eleitos pelo voto distrital e os outros 50% pelo proporcional. Nestes países o voto distrital solidifica o SISTEMA PARTIDÁRIO, porquanto o mecanismo do VOTO DISTRITAL filtra e seleciona melhor a qualidade dos candidatos, fortalecendo o elo entre eleitor e eleito que não termina na eleição. Aqui pela fragilidade dos partidos, se abre a celebre janela partidária, para o deputado mudar de partido e, como isso, mandar o eleitorado as favas para catar coquinho.
O voto distrital obriga a familiarização do eleitor com os candidatos e fortalece a conexão entre eles. Isso aumenta a fiscalização e a cobrança dos eleitores sobre os representantes eleitos. Reduz os custos de campanha, dificultando a corrupção e a caixa preta dos partidos.
Absoluta maioria dos eleitores brasileiros, neste sistema proporcional, não conseguem conversar nem conhecer pessoalmente os candidatos, ainda mais agora que a internet pelas “redes sociais cria os tais fakenews que pintam e bordam qualidades e virtudes que o eleito nunca teve e jamais terá, bem como servem para difamar e destruir reputações”.
Os contrários ao voto distrital (claro, as cúpulas partidárias que evitam fazer previas internas e discricionariamente nomeiam comissões provisórias para manterem o mando partidário) costumam dizer que aqui no Brasil o sistema distrital não funcionaria.
Sirvo-me de números e fatos para demonstrar que não só funciona, como facilita serem escolhidas pessoas competentes e capacitadas para exercerem com responsabilidade o mandato parlamentar.
Como o voto distrital misto pode baratear campanhas eleitorais e melhorar a representatividade
Cito como exemplo a eleição dos Deputados Federais para a Constituinte de 1988, a última que disputei. Na região do Sudoeste do Paraná, lá tínhamos apenas 7% dos eleitores do estado, mas conseguimos eleger 14%, da bancada dos 30 deputados federais do Paraná, fosse pelo sistema distrital, teríamos apenas 2 deputados.
CANDIDATO Nº PARTIDO VOTAÇÃO
Nilso Romeu Sguarezi 1581 PMDB 74.822
Euclides Girolamo Scalco 1520 PMDB 64.222
Luiz Carlos B. da Silveira 1526 PMDB 50.238
Alceni Ângelo Guerra 2502 PFL 47.857
Já em Curitiba onde estava mais de 25% dos votos do estado – todos os candidatos fizeram votos – mas apenas o ex-prefeito Mauricio Fruet, foi o único eleito que se podia indicar como autentico representante da capital do estado.
Em contrapartida, naquela eleição o município de Pato Branco, que tinha menos de 20 mil eleitores, 1% do eleitorado estadual, elegeu 3 deputados federais que somaram mais de 170 mil votos. Foi a região sudoeste, unida como sempre, que pela qualidade e gabarito pessoal dos eleitos obteve uma excelente representação.
Vale destacar que dois deles – os médicos pato-branquenses BORGES DA SILVEIRA e ALCENI GUERRA – por seus méritos pessoais foram nomeados como Ministros da Saúde e a história está aí para comprovar, que eles conseguiram implantar as campanhas de vacinação do ZÉ GOTINHA, institucionalizarem o SUS-Sistema Único de Saúde que colocou o Brasil como um exemplo de que é possível na rede pública de saúde, também incorporar a participação da rede particular de hospitais. Borges e Alceni, por terem experiencias como gestores do antigo INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência, conseguiram estes ótimos resultados, assim como o farmacêutico EUCLIDES SCALCO, do vizinho município de Francisco Beltrão, testado desde vereador, prefeito, deputado, Chefe da Casa Civil do Governo do Paraná (1983) e do governo Fernando Henrique Cardoso, além de Presidente da ITAIPU, (1995 e 2002).
Da convivência com estes três brasileiros, que deixaram suas atividades particulares para dedicarem-se exclusivamente a boa política, tanto que Alceni Guerra, autor da licença maternidade, voltou em 1996, para ser eleito prefeito para Pato Branco. Nenhum ficou rico e milionário, mas todos sempre foram respeitados e continuaram tendo conceito e prestígio popular.
Dos fatos e exemplo destes conterrâneos, que ao longo do tempo me convenci ser unicamente o voto distrital que permite escolher os melhores, enquanto não tivermos partidos autênticos neste sistema presidencialista. É dentro do distrito que os eleitores já conhecem a vida pregressa dos candidatos, sua competência e capacidade.
Não se trata de saudosismo, mas da análise isenta e racional desta gritante queda no nível dos nossos políticos. São cada vez mais raras as exceções dos bons que optam pela política, levando a população a dizer “POLÍTICA NÃO DEVIA SER PROFISSÃO”.
Este contrassenso só passou a existir porque o sistema de governo e de voto está viciado e não funciona para criar um sistema partidário autêntico. Ora, quando alguém está doente sempre procura um bom médico. De igual modo um advogado comprovadamente honesto e capacitado para defender seus direitos. Um experimentado engenheiro para construir sua casa. Para cuidar dos nossos bens e interesses pessoais, buscamos um PROFISSIONAL e se ele não corresponde com nossas expectativas, de imediato podemos trocá-lo. Deve valer a mesma regra para o político, ou seja, para se reeleger perante a sua comunidade, no distrito onde reside e é conhecido, tem que mostrar serviço.
Para uma análise que nos permita ver as vantagens do voto distrital, dos 5.540 municípios existentes, os 2 menores: Borá no Estado de São Paulo com 907 habitantes e Serra da Saudade, em Minas Gerais, com 833. https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/06/28/as-dez-menores-cidades-do-brasil-em-populacao.ghtml
Serra da Saudades, em Minas Gerais acima e Bora no Estado de São Paulo abaixo.
https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2023/06/28/censo-2022-menor-cidade-de-sp-bora-tem-907-moradores-32-ruas-e-nao-possui-semaforo-pedaco-do-ceu.ghtml
Para implantar o VOTO DISTRITAL, bastaria mapear estes municípios em 9 distritos. Bora tem apenas 118,5 kms2, cada distrito teria em torno de 12 kms2, que em média residam cerca de 90 a 100 eleitores. Na última eleição de 2020, apenas quatro Partidos lançaram candidatos a vereador em Bora. O mais votado obteve 70 votos e o menos votado se elegeu com apenas 29 votos.
Além disso o eleitor saberia escolher melhor por já conhecer todos os candidatos. Somente o mais votado – pois é a maioria que sustenta o regime democrático – vai exigir que o escolhido mostre serviço se quiser se reeleger na próxima eleição.
Embora a Constituição prescreva no artº 29, V, letra a, que será um máximo de 9 (nove) Vereadores, nos Municípios de até 15.000 (quinze mil) habitantes, a estarrecedora verdade é que não existe uma única exceção, pois todos tem este máximo dos 9 vereadores.
Porque os deputados e senadores não mudam ao menos este artigo 29 da Constituição, para estabelecer que nos mais de mil e quinhentos municípios (1.500) que tem menos de 5.000 habitantes, o tal máximo de vereadores poderia ser reduzido para apenas três?
Tanto a democracia como história do lugar seriam preservadas, mas as finanças destes pequenos municípios que andam de pires na mão, por falta de recursos, com o dinheiro economizado dos 6 vereadores a menos no município e seus assessores, com certeza daria para melhorar o salário dos professores e enfermeiras. Quem sabe até contratar um médico.
Para uma redução do número de vereadores e deputados, somente com a CONSTITUINTE EXCLUSIVA, pelo voto distrital conseguiremos selecionar constituintes descomprometidos de toda esta parafernália demagógica para escrever uma nova constituição.
Urge termos um parlamento enxuto que autenticamente represente a cidadania, para ter moral de cobrar o desperdício das gastanças e mordomias dos outros poderes. Uma constituição que deixará bem claro as obrigações e deveres de todas a pessoas que integram o poder.
*Nilso Romeu Sguarezi, advogado, deputado constituinte de 1988, defensor da tese da CONSTITUINTE EXCLUSIVA, integrada por 50% de homens e mulheres, independentes da filiação partidária e sem financiamento público, eleitos pelo voto distrital, com inelegibilidade de 10 anos para escrever a proposta da nova carta a ser submetida ao referendo do PODER SOBERANO DO POVO.
1 comentário
Paulo Mac Donald Ghisi · 01/11/2023 às 17:14
Imprescindivei a reforma eleitoral. Voto distrital é uma grande alternativa. Parabéns pelo texto Nilson Romeu.