Ratinho tá no jogo
“Rei morto, rei posto”, reza o velho ditado popular costumeiramente lembrado pelos políticos quando surge a necessidade imediata de substituir um governante por outro.
Como era previsível, a expressão ganhou o noticiário dos últimos dias com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de decretar a inelegibilidade de Jair Bolsonaro e tirá-lo da disputa pelo Palácio do Planalto em 2026 sob as acusações, contestadas por muitos juristas, de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação nas eleições do ano passado, “irregularidades” que, por sinal, não produziram efeito algum no resultado do pleito.
Foi uma punição, é importante frisar sempre, absolutamente desproporcional e descabida, e, o que é mais grave, extraída de um julgamento escandalosamente injusto e sem isenção, comprovado pelo simples fato de que, dos sete ministros da Corte, os cinco que condenaram Bolsonaro foram nomeados por Lula, o maior rival do ex-presidente.
Ou seja, uma sentença não apenas absurda, mas machada pela ilegitimidade e eivada de suspeições.
Por outro lado, ouvir que Bolsonaro irá tentar revertê-la interpondo recurso junto ao Supremo Tribunal Federal soa como piada pronta. Dos 11 ministros do STF que vão julgá-lo, sete foram colocados lá pelo PT. Alguma dúvida sobre o desfecho do caso?
Enfim, estamos vivendo debaixo do tacão de uma ditadura do poder judiciário, que é, como alertava Ruy Barbosa, a pior das tiranias, pois contra ela não há a quem recorrer.
Diante da realidade que se impõe, todas as atenções agora estão voltadas para identificar os líderes mais proeminentes do espectro político da direita com maiores chances de herdar o valioso espólio bolsonarista.
Ainda em maio, quando já se vislumbrava que a sorte do ex-presidente no TSE estava selada, o instituto Paraná Pesquisas foi às ruas para medir os rumos que os eleitores de Bolsonaro poderiam tomar sem ele no páreo.
O levantamento trouxe em primeiro lugar o governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas, com 25,8% das preferências, vindo em seguida a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (14,3%), o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (9,3%), o senador Flávio Bolsonaro (8,2%) e o governador do Paraná, Ratinho Junior, com 6,8%.
Vejamos as credenciais com que o governador paranaense entra em campo.
Reeleito com quase 70% dos votos, um feito inédito na história do estado, Ratinho demonstrou habilidade política para costurar o amplo arco de alianças partidárias que alicerçou sua candidatura e o conduziu à consagradora vitória com apoio maciço da população.
Promovendo estímulos ao setor produtivo que levaram o estado a superar o Rio Grande do Sul e tornar-se a quarta maior economia do país e implantando programas que propiciaram notáveis avanços na educação e colocaram o ensino do Paraná entre os melhores do Brasil, ele também já provou, em duas das áreas mais essenciais para qualquer governo, a sua capacidade de bom gestor.
Por último, sem considerar outros aspectos bem-sucedidos de sua administração, refletidos em pesquisas que o posicionam, ao completar os primeiros seis meses do seu segundo mandato, como o governador mais bem avaliado do país, Ratinho também agrega virtudes pessoais indispensáveis em um projeto de candidatura presidencial: tem carisma, é respeitoso, cordato e conciliador, defende suas convicções com firmeza sem ser intransigente, sabe dialogar e construir consensos e exibe, até aqui, uma trajetória imaculada na vida pública, além de ser, dentre os nomes citados na sondagem, o mais equidistante da polarização política extremada que divide país desde as eleições de 2018.
Com apenas 42 anos de idade, Ratinho não tem pressa. É jovem. Pode esperar. O tempo atua a seu favor. Se não for em 2026, terá certamente hora e vez mais à frente.
Reconhecendo seu potencial como presidenciável, a revista Veja publicou há poucos dias uma entrevista com ele em suas famosas Páginas Amarelas, o espaço de maior prestígio do jornalismo impresso do país, que reproduzo abaixo na íntegra para que o leitor conheça o pensamento e as opiniões do governador sobre diversos temas.
Ratinho Junior: “A sociedade não aguenta mais o extremismo na política”
À frente de um estado com grandes avanços na educação e na economia, o governador paranaense admite ser opção presidencial para 2026
Por Sérgio Quintella
Reeleito no primeiro turno de 2022, Ratinho Junior (PSD) segue em lua de mel com o eleitorado local: segundo pesquisa recente do Instituto Paraná Pesquisas, é hoje o governador mais bem avaliado do país. A situação é fruto direto de uma gestão que vem colecionando boas marcas em áreas como a educação (passou de sétimo para primeiro lugar no Ideb, o índice que mede o desempenho escolar no ensino médio). Na economia, o estado deixou o Rio Grande do Sul para trás no fim do ano passado e assumiu o posto de quarto maior PIB do Brasil, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Agora, aposta em privatizações e concessões para atrair novos investimentos e transformar o Paraná no maior centro logístico do país. Na política, tece críticas a Lula e Bolsonaro, embora tenha apoiado este último nas eleições passadas e diga que o governo dele teve méritos. Em entrevista a VEJA, Ratinho Junior diz que quer compor uma frente de novas lideranças, mais moderadas, liberais e pragmáticas, de olho na disputa ao Palácio do Planalto em 2026 — e assume que pode ser o presidenciável que surgirá dentro desse grupo. A seguir, os principais trechos.
Seu nome é cotado para ocupar o espaço do eleitorado de centro-direita no país, caso Jair Bolsonaro seja declarado inelegível. O senhor será candidato a presidente em 2026?
Antes de 2026 temos outros três anos. Existe um mal do político de querer antecipar as fases e meu foco realmente está no Paraná. Mas estou feliz neste novo momento em que o Brasil apresenta novas lideranças, como a dos governadores Tarcísio de Freitas, de São Paulo, Romeu Zema, de Minas Gerais, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul. Quero fazer parte, sim, de um projeto político para o Brasil. Um projeto político que possa realmente transformar o país, que possa implantar uma agenda positiva, que saia desse negócio de esquerda e direita, de extremismo. Isso é muito prejudicial e não enche a barriga de ninguém.
Mas o senhor assume que deseja disputar o Palácio do Planalto?
Isso tem que ser construído. Obviamente, se for o momento adequado, se eu tiver condições e se eu for a pessoa escolhida dentro de um projeto de grupo, partidário, posso ser uma opção. Mesmo se não for o protagonista desse movimento, quero ajudar a construir essa alternativa. Se ela vai ser vitoriosa, só saberemos em 2026. O meu estado é um estado protagonista, então é natural que meu nome possa estar no tabuleiro.
Entre os avanços obtidos pelo Paraná nos últimos anos, qual deles considera o mais relevante?
Somos agora o quarto PIB do Brasil. Passamos o Rio Grande do Sul. O sucesso do Paraná e da nossa gestão é não ter perdido tempo discutindo ideologia, e sim metodologia. Na educação, uma das políticas que permitiram um salto de qualidade foi o investimento na segurança alimentar dos nossos alunos. Bem alimentados, os estudantes tiveram condições de melhorar o desempenho com aulas ministradas por professores que seguem um método de ensino testado e aprovado. Em geral, não inventamos nada, apenas trouxemos para o Paraná os melhores exemplos de fora.
Quais países do exterior têm servido de inspiração?
Na educação, a Coreia do Sul é um exemplo óbvio. Mas não é a única fonte de inspiração. O Brasil é conhecido lá fora por São Paulo e Rio de Janeiro. E São Paulo é o nosso Estados Unidos, pela força econômica, a força da população. É a nossa grande referência, nossa locomotiva. E eu penso que o Paraná, por estar ao lado de São Paulo e ser a ligação do Sul com o Sudeste, tem essa condição de ter essa mesma pujança, mas sem os grandes problemas de São Paulo, até porque temos uma população menor, com um custo de vida mais barato que o paulista. Então, a ideia nossa é transformar o Paraná no Canadá do Brasil.
Qual o papel das privatizações e das concessões nesse processo?
Nossa ideia é consolidar o Paraná como uma grande central logística do continente. Estamos hoje com os maiores pacotes de concessões rodoviárias da América Latina. O Porto de Paranaguá, por exemplo, foi eleito por três vezes o mais eficiente do Brasil. Lá vamos começar, a partir de julho, uma obra de 600 milhões de reais que vai aumentar em 30% a capacidade do terminal, sem a necessidade de ampliar a parte marítima. Além disso, nós temos as concessões rodoviárias que trarão 10 bilhões de reais em investimento privado, fora a parte operacional das concessões.
Esses projetos vão na contramão do que o governo federal está fazendo. A gestão Lula tenta reverter a privatização da Eletrobras e brigou com o marco de saneamento. Como analisa essa diferença?
Vejo que são visões de mundo diferentes e eu procuro me inspirar naquilo que deu certo nos países desenvolvidos. E os países de primeiro mundo nunca viram problema na iniciativa privada prestar um serviço público. Isso não tem nada de mal, desde que seja eficiente. Para a população, caro é aquilo que é ineficiente.
Por que então existe ainda tanto preconceito no país contra a privatização, em especial de uma parte da classe política, que inclui o PT?
O PT faz discurso ideológico da década de 80, que lamentavelmente se arrasta até hoje. Mas a parte positiva é que há governadores com coragem de implantar uma agenda positiva pela busca da modernização da máquina pública e que têm buscado dar resultado para a população, como é o caso do Paraná.
Quais os erros e acertos do presidente Lula neste início de mandato?
Ainda é cedo para uma avaliação definitiva, são apenas seis meses. Não dá para a gente ficar fazendo julgamento, nem cobrando em um período tão curto. Penso que o governo federal tem um grande desafio, que é o relacionamento com o Congresso. Não está sendo fácil, até talvez pelo perfil do Congresso que existe hoje, diferente do que era no passado, mais conservador. As redes sociais deram mais voz para um volume de deputados que antes não tinham essa voz. Então pode ser que isso também tenha mudado a maneira de relacionamento. Eu acho que esse é o grande desafio: o de conseguir impor uma agenda econômica que faça o Brasil voltar a crescer.
A inflação tem dado sinais positivos. É mais por mérito do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ou do presidente Lula?
É graças ao remédio do Banco Central, não tenho dúvidas. Se você pegar o histórico desse modelo de aumentar juro para frear a inflação, ele geralmente demora. O prazo para começar a ter efeito é de um ano, até um ano e meio. Isso em qualquer país é um remédio, é uma quimioterapia. A inflação é um câncer para qualquer sociedade. Se você analisar as reações da inflação do ano passado, verá que foi por causa das medidas de tirar imposto dos combustíveis, da energia. E eu acredito que agora, no segundo semestre, se o cenário continuar dessa mesma forma, o Banco Central vai começar a fazer o gesto de baixar esses juros.
Foi exagerada a artilharia do PT e do presidente Lula contra o Banco Central?
Penso que foi uma vacina tanto do presidente quanto do entorno dele para que, se a economia não rodar, a culpa recaia sobre o Banco Central.
O senhor apoiou Jair Bolsonaro no segundo turno. Voltaria a apoiá-lo novamente?
Na conjuntura política que vivíamos, do quadro naquele momento, apoiaria novamente, sem dúvida e sem problema nenhum. Acho que Bolsonaro foi um bom presidente para o Paraná. Ele foi o presidente que mais investiu no estado nos últimos trinta anos. Foi um presidente que ajudou a tirar do papel uma série de projetos, em especial de infraestrutura, importantíssimos para o estado. E foi importante também pela modelagem do governo: os ministros dele eram capazes, conseguiram fazer o país crescer depois de uma pandemia e durante uma guerra. É importante lembrar que o Brasil terminou no governo passado com crescimento de 3,2%.
A pregação antivacina atrapalhou o projeto de reeleição?
Eu estou falando do governo, com a posição pessoal dele eu não concordo. Penso que esses excessos o prejudicaram. Acho que a sociedade brasileira não aguenta mais o extremismo nem os excessos. E não é do Bolsonaro, é de qualquer um. O Lula também está cometendo excessos.
Quais excessos?
Esse caso recente da recepção e dos elogios a Nicolás Maduro, por exemplo. Teve também o marco do saneamento. Lula bateu de frente com um negócio necessário para o Brasil avançar. Isso é um excesso. Precisamos de paz e de tranquilidade para poder trabalhar.
Como vê a possível inelegibilidade de Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral?
Espero que ele consiga fazer com que isso não aconteça. O Brasil é um país escasso de lideranças em todas as áreas, seja da esquerda, do centro-direita, de liderança religiosa, de liderança empresarial. Eu acho que, quem consegue ter um ativo de liderança, tem que de certa forma poder estar à disposição para defender suas ideias.
O senhor ficaria surpreso se ele for absolvido no TSE?
Eu espero que ele supere tudo. Mas eu acho que o ambiente é para tentarem, de alguma maneira, limitar a atuação política dele.
Falando em impedimentos de políticos, depois da cassação de Deltan Dallagnol, o senador Sergio Moro pode ser o próximo. Como vê essa ofensiva contra a “República de Curitiba”?
Deltan, assim como Moro, é um ativo importante do estado. Foi um deputado eleito com quase 400 000 votos. Então uma boa parcela da sociedade paranaense gostaria de tê-lo como representante, que era o que ele estava fazendo.
Acha que o senador Sergio Moro corre mesmo riscos?
Não tenho como comentar as questões jurídicas que envolvem o caso. O Moro é um senador preparado, combativo. A exemplo do Deltan, fez uma eleição muito boa no Paraná. Para o estado, não é bom perder nem um nem outro.
Seu pai, o apresentador Ratinho, influenciou de alguma forma sua trajetória?
No início da minha carreira, como pouca gente me conhecia, apesar de eu já estar no rádio desde os 14 anos, o apelido ajudou a me popularizar. Hoje as pessoas conseguem diferenciar o Ratinho apresentador do Ratinho governador.
Qual o conselho mais valioso que ele deu ao senhor na política?
Continuo seguindo o que ele me disse lá atrás: “O errado não dá certo e o certo não dá errado”.
Publicado em VEJA de 21 de Junho de 2023, edição nº 2846