Inteligência Judiciária Artificial, a nova lei
Por Juarez Dietrich*
Perguntei à Inteligência Artificial do ChatGPT OpenAI o significado da palavra “gênero” e a resposta, em resumo após uma introdução genérica, foi que existe “gênero sexual, que são as características sexuais primárias e secundárias.” Que existe “gênero gramatical, gênero social, que são as construções sociais e culturais, comportamentos e expectativas das pessoas”, e além das “categorias tradicionais de masculino e feminino” há ainda as “não binárias e diversas”, pois “gênero como Identidade é a autopercepção e a identificação de uma pessoa em relação a ser homem, mulher ou outro gênero.”
Discordei da resposta dizendo que cientificamente o gênero das pessoas é o gênero humano e os sexos são masculino e feminino. Em resposta, a Inteligência Artificial me disse que entende minha opinião, mas que atualmente é preciso reconhecer que há outros gêneros além dos tradicionais masculino e feminino. Não importa mais a literalidade da ciência, mas a decisão tomada pelos algoritmos daquele sistema, que são baseadas na onda “woke”. E fim de conversa. Transitou em julgado a decisão da Inteligência Artificial sobre o significado da palavra gênero.
E assim mesmo está funcionando o mecanismo dos tribunais superiores brasileiros, o nosso centralizado poder judiciário. Não importam neste novo regime judiciário o direito, a literalidade da lei ou da Constituição Federal, tampouco algum duplo grau de jurisdição.
O que vale agora são os algoritmos pré-estabelecidos nos tribunais de Brasília – STF, STJ, TSE, além do TCU. Nestes tribunais “superiores” as “perguntas” submetidas a eles são respondidas artificialmente sob medida para os fins preconcebidos na inteligência do pasteurizado algoritmo do sistema judiciário vigente, que é o regime do “depende de quem pergunta”.
Lá o ex-presidente é politicamente castrado porque como Presidente da República fez uma reunião com embaixadores estrangeiros com os quais um ministro do TSE havia feito reunião igual. Uma inteligência artificial já pré-definiu esta castração.
Lá o ex-procurador de justiça da Lava Jato, eleito deputado por 345 mil votos – um número que em SP equivale a 1 milhão de votos, diplomado e empossado, foi cassado e politicamente castrado porque, a exemplo do filme Minority Report – a Nova Lei, havia ao tempo em que ele era procurador, a figura do pré-crime que, apontado pelo PT como uma possibilidade de que ele, segundo o algoritmo do mecanismo judiciário artificial, pudesse ter cometido no futuro, e então, como no filme, ele precisava ser congelado num poço por prazo que o algoritmo judiciário define.
Portanto lá, esta área administrativa do sistema judiciário, encarregada de administrar eleições, cassa deputados, além de criar uma alçada legalmente inexistente para julgar crimes de peculato e corrupção em harmonia e conforme o algoritmmo dos outros tribunais aos quais é dependente.
Lá 1.500 pessoas, entre crianças, mulheres e homens, velhos ou moços, doentes ou não, são presos sem saber qual o crime que cometeram, mas assistiram crimes sendo cometidos – e tentaram impedí-los – por grupos chegados em “ônibus cheios” (segundo testemunha que viu) “de black-block infiltrados para o fim de depredar os prédios públicos dos três poderes”.
Lá o Cacique Sererê está preso e doente há mais de 6 meses por um “crime” que, se existisse, teria uma pena de multa ou por tempo inferior ao que está preso, mas em regime aberto.
Lá um magistrado, vítima de um crime de injúria, investiga o réu do crime como se fosse um delegado de polícia, acusa o réu como se fosse um promotor de justiça, impede que o réu leia o processo e prende o réu antes de julgá-lo, sem direito a duplo grau de jurisdição porque ele é o único e insuspeito grau de jurisdição.
Lá, só é suspeito o juiz que o algoritmo da inteligência judiciária artificial quer que seja.
Lá não tem prisão de corrupto e ladrão condenado no duplo grau de jurisdição sem que os tribunais constitucionamente “extraordinário” e “especial” de Brasília revejam todo o processo em um constitucionalmente inexistente terceiro grau de jurisdição, ainda que por embargos de declaração em habeas-corpus anteriormente negado.
Lá a polícia só pode atuar onde e como eles querem.
Lá tem uma inteligência jurídica artificial construída no dia a dia e no rítmo conveniente a cada algo que seja submetido àquela rede harmoniosa de tribunais, dependendo de cada um que o fizer.
O algoritmo é dinâmico, estratégico e, naturalmente, inteligente e corajoso. A Constituição Federal deixou de ser a referência e as leis estão, todas, relativizadas por um dicionário novo e exclusivo deles. E o gênero humanos é tão relativo quanto a democracia ou o estado de direito.
Finalmente a distopia geral instalou as imponderáveis profecias de Ruy Barbosa e George Orwell. Resta-nos a esperança no fato de que o ambiente distópico é uma força bruta que não revoga a Lei de Newton.
*O autor é advogado, Master of Laws (LL.M) pelo Insper, pós-graduado em processo civil pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Especialista do Instituto Millenium. Ex-Vice-Presidente de Desenvolvimento de Negócios na Hypercom (EUA). Ex membro do banco de conselheiros do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e do European Corporate Governance Institute (ECGI). Foi conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Paraná e seu Diretor Financeiro. Publicou artigos nos jornais O Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo e Gazeta do Povo.
2 comentários
Nilso Romeu SGUAREZI · 30/06/2023 às 22:07
Abordagem com fundamento científico e correta interpretação jurídica dos fatos que estão levando nossa democracia para rumos traumáticos.
Glenio · 30/06/2023 às 16:20
Irretocável. Top!