O fantasma da Casa Rosada
Quase meio século depois de sua morte, Juan Domingo Perón continua assombrando a Argentina com a influência do seu controvertido legado político, que, aliás, tornou-se uma verdadeira religião, fanatizando seguidores com o personalismo e o populismo que marcaram seus três mandatos presidenciais e que fazem até hoje muita gente sonhar em reviver os tempos de glória da prática desenfreada do assistencialismo que desde então vem exaurindo as riquezas nacionais.
Quando os argentinos elegeram os peronistas Alberto Fernández para presidente e Cristina Kirchner para vice, na desesperada ilusão de que eles seriam capazes de resolver os dramáticos problemas econômicos e sociais deixados pelo antecessor e adversário Mauricio Macri, que, a bem da verdade, os herdara, sem conseguir solucioná-los, do governo anterior comandado justamente por ela, cumpriu-se ao pé da letra o enunciado de uma das mais famosas Leis de Murphy: “Nada é tão ruim que não possa piorar”.
Menos de dois anos depois do triunfo da dupla, saudada como um histórico renascimento da esquerda latino-americana, os eleitores foram às urnas e aplicaram uma sonora surra nos candidatos governistas nas primárias legislativas realizadas na semana passada, refletindo o fragoroso insucesso da administração nas respostas às dificuldades financeiras do país, agravadas devido às restrições provocadas pela pandemia e pela forma desastrosa como Fernández conduziu o combate à doença, ao decretar a mais longa quarentena do mundo e paralisar grande parte do setor produtivo, mergulhando na mais absoluta miséria metade da população daquela que já foi uma das mais ricas nações do planeta.
Previsivelmente, a iminência da confirmação da catástrofe nas eleições oficiais de novembro, que poderá dar à oposição a maioria no senado, trouxe a público e expandiu uma crise política que já minava há tempos a convivência forçada entre um presidente fraco e uma ex-presidente voluntariosa, que não esconde o incômodo de ocupar um papel secundário na divisão do poder e usa seu domínio da estrutura partidária para estender seus tentáculos na máquina governamental.
Empenhada desde o dia da posse em conspirar contra o parceiro (ambos, aliás, sempre se detestaram), Cristina levou a melhor na queda de braço, exigindo e obtendo a demissão de vários ministros.
É assim que funciona o peronismo, uma federação de agrupamentos políticos dos mais diversos espectros ideológicos, sindicatos, movimentos sociais, corporações do funcionalismo público e amplos setores da aristocracia, que vivem brigando ruidosamente entre si, mas sempre acabam se unindo pelo interesse maior de saquear os cofres públicos do país.
Como bem definiu o próprio caudilho, certamente ouvindo um belo tango e saboreando deliciosa parrillada regada a um bom vinho, “los peronistas somos como los gatos; cuando parece que nos peleamos, nos estamos reproduciendo.”
Pobre Argentina.
1 comentário
Edvino Borkenhagen · 21/09/2021 às 23:35
Na verdade, um bacanal!