Rodovia das Cataratas: a estrada encantada
Há quem diga que o trecho da BR-469 entre Foz do Iguaçu e as Cataratas, uma das mais famosas e visitadas atrações turísticas do Brasil, foi construído sobre um antigo cemitério guarani. Se é lenda ou licença poética, não importa. O fato é que há mais de três décadas essa curtíssima estrada federal, com seus parcos 8,7 quilômetros, parece amaldiçoada por forças misteriosas que repelem tratores, engolem cronogramas e transformam cada promessa de duplicação num novo ato da mesma tragicomédia.
A via-crúcis começou em 1985, com a primeira tentativa de duplicação — uma iniciativa que nasceu capenga e nunca chegou à linha de chegada. Veio 2012, e o que se viu foram obras de restauração paliativas, sem que a duplicação avançasse um centímetro. Entre 2013 e 2015, novos anúncios, discursos otimistas e a costumeira coreografia de promessas, seguidos do silêncio sepulcral. Em 2016, o Instituto Ambiental do Paraná concedeu a Licença Prévia para a obra, alimentando nova esperança, logo frustrada em 2018, quando o governo federal retirou os recursos do orçamento.
Mas em 2020, o clima ganhou tons de solenidade: foi lançada, com direito a palanque e pedra fundamental, a duplicação da estrada. O ápice do entusiasmo viria em 2021, quando o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER) concluiu a licitação e anunciou o início das obras. O investimento de R$ 129,6 milhões, bancado com recursos da Itaipu Binacional, contemplava vias marginais, ciclovia, quatro viadutos e uma ponte sobre o Rio Tamanduá.
Enfim, a tão sonhada duplicação sairia do papel.
De fato, saiu, mas, passados quase quatro anos, o que se vê é um canteiro de obras em ritmo de procissão, com apenas 42% de execução completada, prazos esticados como elástico velho e uma sensação coletiva de déjà vu.
Agora, o fantasma da interrupção voltou a rondar. A empresa responsável pela obra, a Dalba Engenharia, protocolou no último dia 14 de abril um pedido de recuperação judicial.
Alegou, na petição entregue à Vara Empresarial de Ponta Grossa, que está sendo sufocada por aumento de custos, frustração em licitações públicas e esvaziamento da carteira de clientes. O pedido ainda não foi aceito — a juíza solicitou informações adicionais — mas a simples existência do protocolo já instalou o clima de interrogação no asfalto.
O que virá agora? Mais uma licitação? Outra empreiteira? Nova pedra fundamental com discurso inflamado? Ou o velho expediente do atraso camuflado de “ajuste contratual”, enquanto os dias passam e os turistas desviam dos cones?
É preciso reconhecer que o governo estadual e a usina de Itaipu, que se uniram para realizar a obra, fizeram sua parte. O dinheiro está reservado, a licitação foi concluída, o projeto começou a se concretizar. Era para dar certo. E, talvez, ainda dê. Mas a história da BR-469 parece escrita com tinta de incerteza e revisada por um redator invisível que adora reescrever finais felizes como prelúdios de novos impasses.
Não há, por ora, culpados evidentes. Apenas mais um capítulo — quem sabe o mais surreal — dessa crônica amalucada onde uma rodovia que liga Foz do Iguaçu a uma das sete maravilhas naturais do mundo insiste em não encontrar seu próprio caminho.
A BR-469 continua ali: curta, simbólica, inacabada. Um asfalto onde o Brasil tropeça, desta vez – sejamos justos – não por desleixo estatal, mas talvez — só talvez — por alguma entidade ancestral decidida a lembrar que, neste fragmento de país, o destino tem o mau hábito de dar a última palavra.
2 comentários
guto Damiao · 23/04/2025 às 16:51
mais 40 anos…
Inacio Kroetz · 23/04/2025 às 17:17
Não seriam os mesmos vicios que atrasaram a construção da Ponte de Guaratuba?