Ainda estamos aqui (e nem fingimos que fomos embora)
A Secretaria Nacional de Políticas Penais, aquela vinculada ao Ministério da Justiça, divulgou um levantamento inusitado — ou, quem sabe, involuntariamente honesto: o Brasil abriga hoje 88 organizações criminosas em pleno funcionamento. O número é robusto, mas a dúvida que paira é ainda mais eloquente: essa conta inclui ou não os esquemas do andar de cima?
Ficou a sensação de que esqueceram de computar aquelas facções de colarinho branco e carteirinha institucional: as que operam com crachá nos Três Poderes. Afinal, o país do Mensalão, do Petrolão e de uma constelação de escândalos bilionários sabe muito bem que o crime compensa — desde que seja com fórum privilegiado, delação bem ensaiada e algum contrato público envolvido.
E como se não bastasse a matemática carcerária, o ex-ministro e ex-presidiário José Dirceu resolveu brindar o noticiário com mais uma de suas pérolas de sinceridade brutal. Em evento de campanha petista, zombou dos críticos que dizem que os mensaleiros querem voltar. E respondeu, entre risos e microfones: “Nós nunca saímos. Nem eu, nem o Delúbio, nem o Vacari, nem o João Paulo Cunha.”
Não é uma ameaça. É só um lembrete.
E para quem acreditou que algum dia eles haviam se recolhido à vida privada, ou mesmo à penitência do ostracismo, o recado é direto como despacho no Diário Oficial: continuam todos aí — uns no poder, outros nas sombras — mas sempre por perto, orbitando os mesmos palácios, os mesmos cofres, os mesmos projetos de poder.
No caso específico do próprio Dirceu, o currículo é digno de nota de rodapé da História: condenado no Mensalão a 7 anos e 11 meses, depois novamente condenado na Lava Jato a 23 anos e 3 meses por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Cumpriu cerca de 850 dias de prisão — e depois foi acolhido pela graça judicial, quando o ministro Gilmar Mendes, em outubro de 2024, anulou todos os atos processuais contra ele, sob a justificativa de suspeição de Moro. Foi o toque final para restaurar seus direitos políticos, abrir caminho para a campanha, e — ora, claro — planejar seu retorno ao Congresso Nacional.
Sim, o homem que articulou o Mensalão e mergulhou até o pescoço no Petrolão está de volta. Ou, melhor dizendo, como ele mesmo fez questão de deixar claro: nunca saiu. Só aguardava o timing da jurisprudência. Como diria aquele vice que um dia já foi oposição, “ele quer voltar à cena do crime”. A diferença é que, nesse caso, o protagonista nem fingiu que havia saído de cena.
Poderíamos até sugerir um novo título para aquela cinebiografia lacrimosa: “Ainda estamos aqui — A volta que nunca foi.” Mas Dirceu já deixou claro: nem precisou voltar, porque jamais arredaram o pé.
Enquanto isso, a lista das 88 organizações criminosas segue aberta. Mas ao que tudo indica, só estão contando os fuzis. Os ternos italianos, as emendas bilionárias, os encontros a portas fechadas e os contratos de gabinete seguem com crachá de autoridade e tapete vermelho para circular.
E o Brasil, esse coadjuvante crônico do próprio desastre institucional, assiste tudo — como sempre — de bolso virado, impostos em dia e senso de indignação cronicamente anestesiado. Porque aqui, o crime não só compensa. Ele dá entrevista, se elege e volta à cena dizendo: “nunca saí.”
1 comentário
VANDER CESAR DOS REIS · 10/04/2025 às 22:27
Olá Caio. Penso que são ao invés de 88 passe as organizações criminosas o judiciário e políticos incremetem em muito esse número atualmente . É uma vergonha , independente dos fatos a época , que após o Oscar que contemplou o “Ainda estou aqui” tenhamos que conviver com o “Ainda estamos aqui” do Dirceu e em plena atividade dessa corja . ABS a ti e seus leitores