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A trajetória de um homem exemplar

Publicado por Caio Gottlieb em

Quando for escrita a biografia definitiva do ministro Gilmar Mendes, o impoluto decano do Supremo Tribunal Federal, ela inevitavelmente destacará um traço primoroso do seu caráter: a coragem.

Sim, a coragem. Não aquela coragem épica, de bravura moral ou sacrifício cívico — mas a outra. A coragem de dizer de viva voz, sem pudor, sem constrangimento e com uma boa dose de cinismo, aquilo que tantos no sistema apenas murmuram: que sente orgulho de ter desmanchado a Operação Lava Jato.

Sim, Gilmar orgulha-se de ter promovido o desmonte da maior operação de combate à corrupção da história, reconhecida internacionalmente, com centenas de condenações, bilhões devolvidos aos cofres públicos, depoimentos, provas insofismáveis, delações, confissões, enfim, o pacote completo que compôs o Petrolão, o colossal escândalo que nos envergonha até hoje perante o mundo civilizado.

A declaração foi feita na Brazil Conference 2025, aquele simpático convescote anual em Harvard, onde autoridades brasileiras vão para se ouvir mutuamente e posar para fotos em frente à biblioteca. Agora patrocinado pelo BTG Pactual — o mesmo banco cujo dono, André Esteves, foi blindado na Lava Jato pelo próprio Gilmar — o evento parece ter incorporado o espírito do “Gilmarpalooza”, tradicional encontro lisboeta regado a camaradagem institucional, vinho tinto e impunidade premium.

Quem se dispuser à tarefa de biografar o ilustre magistrado terá farto material para relembrar seus inúmeros e sucessivos capítulos de autocontradições explícitas, reviravoltas oportunas e decisões moldadas ao sabor dos ventos — ou dos vínculos e interesses pessoais.

Gilmar tem o talento raro de desmentir a si mesmo com naturalidade, de mudar de ideia com solenidade, e de reafirmar o oposto do que disse sem perder o tom professoral. Para ele, coerência é uma formalidade dispensável — o importante é manter o protagonismo no script. E assim, marcha e recua, condena e absolve, vaticina e revoga, preenchendo com zelo sua história elástica e altamente adaptável.

O ministro, indicado por FHC, já foi um entusiasta da Lava Jato. Em 2015, denunciando a roubalheira dos governos petistas, chamava o Brasil de cleptocracia.

Em 2016, votou a favor da prisão em segunda instância. Em 2017, quando a operação se aproximou de Aécio Neves — tucano de estimação — e de outras figuras do seu entorno afetivo-político, Gilmar mudou de ideia.

Deu meia-volta togada e passou a fustigar juízes e procuradores. Em 2019, trocou de voto e desempatou o julgamento que impediu a prisão de Lula — condenado em três instâncias por corrupção e lavagem de dinheiro.

Desde então, sua biografia entrou no modo turbo.

Mais do que um providencial aliado, tornou-se ídolo do PT. Apadrinhou a escolha de Paulo Gonet — seu ex-sócio — para a Procuradoria-Geral da República. Mandou o recado em alto e bom som: “Inclusive o presidente da República só está lá porque o Supremo enfrentou a Lava Jato.” A frase, dita em outubro de 2023, surtiu efeito: em novembro, Lula nomeou Gonet para a PGR.

Hoje, o país assiste, em silêncio, à supremacia do escambo institucional. Gilmar, ministro do STF, viu seu ex-sócio virar o chefe do órgão que acusa — ou deixa de acusar — no tribunal onde ele julga. Imaginem o escândalo se fosse Moro e Deltan no papel de padrinho e afilhado. Mas aqui não: aqui é Gilmar. E se for preciso, a legalidade se ajusta.

Os encontros com Lula, Gonet e colegas ministros seguem fora da agenda oficial. Mas, veja bem, não é por falta de transparência — é que o zap não deixa rastro. E se deixar, tudo pode ser reinterpretado, relativizado ou arquivado por falta de provas.

Agora, em Harvard, Gilmar volta a brilhar. Rodeado por executivos, celebridades, políticos reciclados e influencers do poder, reafirma sua tese: a Lava Jato era o problema. Os corruptos, afinal, só devolveram bilhões por ingenuidade. Delataram por pressão psicológica. Foram condenados porque — vejam só — havia provas demais. Mas isso é passado. O presente é outro. O presente é o Gilmar 2025: orgulhoso, sorridente, blindado, reverenciado.

Com raras exceções, o Supremo Tribunal Federal virou vitrine de um tempo em que ministros legislam, articulam, indicam, perseguem e ainda posam de vítimas. Gilmar não se esconde. Pelo contrário: faz e bate no peito. E nos ensina, com seu exemplo, que o problema nunca foi o crime. Foi a investigação.

Categorias: OPINIÃO

2 comentários

Elcio Meyer · 19/04/2025 às 22:17

Penso que o Brasil e sua única instituição que tinha a confiança do povo (ex-exercito) nunca prestaram.
“Brasil país de merda”

Olavo Arsenio Fank · 18/04/2025 às 11:13

Parabéns pelo texto…. uma síntese perfeita. O que preocupa é que muitos dos eleitos pelo povo (deputados e senadores) são parte dessa quadrilha e não fazem sua tarefa de investigar e punir…

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