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“É assim porque sempre foi”

Publicado por Caio Gottlieb em

Por uma feliz coincidência, justamente na semana em que o governador Ratinho Junior sancionou a lei, por ele formulada e aprovada pela Assembleia Legislativa do Paraná, instituindo o programa que possibilita implantar a gestão privada (meramente nas questões administrativas, sem influir na parte pedagógica) em escolas do Estado através de parcerias com a iniciativa privada, o cientista político Fernando Schüler, uma das vozes mais respeitadas do país em assuntos educacionais, trouxe o polêmico tema à baila em sua coluna de página dupla na revista Veja, ao abordar os enormes gastos públicos que terão de ser despendidos para reparar os estragos causados pelas enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul.

Reproduzo adiante, na íntegra, o trecho do artigo, com a clareza cristalina que caracteriza os textos do autor, que vai direto ao ponto que nos interessa.

O maior desafio da reconstrução gaúcha está em como refazer o que foi destruído de um jeito diferente. Há exemplos que poderiam nos inspirar. Um deles vem da tragédia que se abateu sobre Nova Orleans, com o furacão Katrina, em 2005, quando quase 90% das escolas foram destruídas.

A área da educação da cidade, à época, estava sob o comando de uma mulher enérgica e pouco convencional, chamada Leslie Jacobs, uma personalidade improvável para dirigir um conselho de educação. Vinha do setor privado, não tinha vínculos com as corporações, e entendeu toda aquela crise como uma oportunidade.

Seu diagnóstico era simples: a cidade figurava no 67º lugar entre os 68 distritos de Louisiana. Era preciso mudar. Em vez de reconstruir as escolas no modelo tradicional, Jacobs e sua equipe resolveram fazer sua revolução copernicana: convocaram bons provedores privados de educação para que assumissem a gestão das escolas, no formato das charters schools.

Em vez de o governo gerenciar a imensa rede, substituíram o modelo por uma rede descentralizada, com algumas premissas: gestão feita por organizações privadas de alta performance; controle e exigência de resultados, por parte do governo; e o direito dos alunos de escolherem onde estudar.

Os resultados foram rápidos e intensos. Até o desastre do Katrina, 64% dos estudantes da cidade frequentavam uma escola designada como “reprovada”. Dez anos depois eram 9%. As taxas de conclusão do ensino secundário foram de menos de 50% para mais de 70%. “Foi a maior revolução educacional americana da nossa época”, resumiu o pesquisador Douglas Harris, da Universidade Tulane.

Quando Barack Obama visitou Nova Orleans e foi conversar com os alunos da Martin Luther King Charter School, definiu as escolas charter como “laboratórios de inovação”, dizendo que, graças àquela mudança, “eles estavam agora numa situação melhor do que há quatro anos, antes da tragédia”.

Essa história sempre me chamou a atenção por algumas razões. Uma delas foi a sabedoria de entender que, mesmo em uma tragédia, pode-se encontrar uma oportunidade. Outra foi a coragem de enfrentar a grande lei que assombra o setor público: a lei da inércia. Do “é assim porque sempre foi”, na frase de Raymundo Faoro. Por fim, a inteligência de saber que, no mundo público, os fatores silenciosos, as coisas “sem graça”, como a mecânica dos incentivos, importam muito mais do que o barulho da briga política.

Quando se permite que organizações privadas gerenciem escolas os pais escolham onde colocar os filhos, é óbvio que estamos falando de incentivos de mercado. Mas o governo termina mais forte, porque agora tem um contrato com cada escola, pode punir, pode premiar.

A educação estatal é talvez nosso maior exemplo de tragédia lenta. Nunca fomos capazes de fazer, com nossas escolas, o que de algum modo fizemos quando passamos a gestão dos aeroportos para o setor privado, ou mesmo com o marco do saneamento e a concessão de parques ambientais. Vai aí um mistério.

Não faço ideia se nossos dirigentes terão a ousadia de líderes como Jacobs ou Obama, em Nova Orleans. Mas sua história está aí, à disposição de todos, e quem sabe possa nos ensinar alguma coisa.

Respondendo à dúvida que Schüler deixa no ar no último parágrafo, pode-se afirmar que é essa ousadia, inspirada em projetos vitoriosos como o das charters schools e outros similares espalhados em vários países desenvolvidos, que moveu Ratinho Junior ao propor o programa Parceiro da Escola, para que o ensino público do Paraná, já apontando em diversos indicadores como o melhor do país, evolua ainda mais.

Que o governador tenha fé, coragem e paciência para levar em frente a promissora iniciativa. As forças do atraso que se opõem a mudanças e avanços para manter privilégios e poder político não vão dar trégua.

Categorias: OPINIÃO

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