A que ponto chegamos
Quando o Supremo Tribunal Federal, especialmente através do ministro Alexandre de Moraes, incentivado pelo silêncio cúmplice de seus pares e sob os aplausos entusiásticos da grande mídia, começou a interferir na administração do presidente Bolsonaro e usurpar prerrogativas que eram, até então, exclusivas do poder executivo, não faltaram avisos de juristas e jornalistas não alinhados ao sistema de que aquilo não iria terminar bem.
Dito e feito.
O que estamos vendo, desde então, é uma escalada sem-fim do mais puro autoritarismo por parte da maioria dos integrantes do STF, que reinterpretam a Carta Magna da nação a seu bel-prazer, mudam leis de acordo com suas conveniências, anulam condenações e suspendem multas aplicadas a réus que confessaram livremente seus crimes nos mais escabrosos casos de corrupção.
Mas nenhum deles se compara ao desenfreado e tirânico ativismo judicial praticado por Moraes principalmente na condução do processo sobre os atos de vandalismo promovidos por arruaceiros no dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília, decretando prisões arbitrárias de homens e mulheres que apenas se manifestavam pacificamente em frente aos quartéis, determinando buscas e apreensões despropositadas, cerceando a atuação dos advogados de defesa, desrespeitando o devido processo legal e impondo aos denunciados sentenças desproporcionais à gravidade dos delitos cometidos.
Um dos jornais mais influentes do país, a Folha de S. Paulo, que vinha achando tudo isso muito bonito, parece que agora, embora tardiamente, deu-se conta do monstro que ajudou a criar.
Em editorial publicado terça-feira (20) abordando o encerramento da investigação sobre a suposta hostilidade enfrentada por Moraes e seu filho em um aeroporto de Roma, na Itália, protagonizada por três outros brasileiros, o tradicional diário desnudou o vergonhoso exagero que cercou a história.
Destacando “uma série de abusos” e “truculência estatal”, o episódio é descrito no título da matéria como um “escarcéu” do magistrado que terminou em “vexame”.
Revendo os eventos, o editorial afirma ser “inaceitável” que o juiz da Suprema Corte tenha empregado “todo o seu peso institucional” na controvérsia.
A Polícia Federal dedicou sete meses de investigação para, na semana passada, encerrar o procedimento sem apresentar acusações, concluindo que o único crime seria o de injúria real, um delito considerado de baixo potencial ofensivo.
“É a proverbial montanha que pariu um rato – com a diferença que, nesse caso, ela não o fez sem deixar um rastro de fatos deploráveis”, escreveu a Folha.
O texto elenca todos os ilustres que pegaram carona no “vexame” estrelado por Moraes.
Tão logo o ministro fez o seu alarde sobre a suposta agressão no aeroporto italiano, Lula solidarizou-se com o amigo e parceiro referindo-se ao acusado como “animal selvagem”.
Caindo na conversa do colega, a ministra Rosa Weber, à época na presidência da Corte, não hesitou em autorizar mandado de busca e apreensão em dois endereços ligados aos investigados, sem que, como frisa a Folha, “houvesse justificativa plausível para tanto”.
Para ampliar ainda mais as suspeitas sobre a encenação, convém lembrar que o ministro Dias Toffoli, relator do inquérito no Supremo, manteve a investigação sob sigilo por um período, assim como as imagens do circuito interno do aeroporto por um prazo ainda maior.
Ressalta a Folha que nem a Polícia Federal escapou de agir ilegalmente no imbróglio constrangedor ao revelar a comunicação de um advogado com seu cliente, “em franca e absurda violação de um princípio assegurado pela Constituição”.
Toda essa pantomima, por sua vez, só vem reforçar um dos itens que a Transparência Internacional sublinhou no documento em que rebaixou o Brasil dez posições no Índice de Percepção da Corrupção, onde assinala que uma das principais causas dos desvios éticos no país é “a exacerbação dos poderes do STF e do Tribunal Superior Eleitoral e a resistência de retornarem a um estado de normalidade constitucional”.
Deixar o gênio escapar da garrafa foi fácil. Quero ver agora quem vai colocá-lo de volta.
1 comentário
Marcos Villanova de Castro · 23/02/2024 às 12:09
Parabéns, Caio! Mais um texto brilhante