Curto-circuito na usina
Por Valdomiro Cantini*
De uma forma negativa como há muito tempo não se via, a hidrelétrica de Itaipu vem dominando o noticiário nos últimos dias.
A encrenca é o impasse entre Brasil e Paraguai na renegociação da tarifa de energia e na renegociação dos novos termos do Anexo C do tratado entre as duas nações que deu origem à usina. O embate travou o orçamento da empresa, que foi obrigada pela Justiça do Trabalho a pagar férias, décimo terceiro e salário dos funcionários. Fornecedores ainda estão sem receber. Inclusive o pessoal terceirizado.
Como se sabe, a Itaipu Binacional é um empreendimento que pertence ao Brasil e ao Paraguai. A usina foi construída no Rio Paraná, na fronteira dos dois países.
Em 2023, completaram-se 50 anos do acordo que possibilitou à construção e o funcionamento da grande hidrelétrica, a maior do mundo em geração de energia.
Itaipu quitou a sua dívida, de mais de 63 bilhões de dólares.
Estava previsto que, com o fim do pagamento da dívida, que consumia dois terços do orçamento da usina, o custo da tarifa seria reduzido na mesma proporção.
Afinal, por décadas, o Brasil obrigou, mediante lei, que as distribuidoras de energia das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste comprassem toda a energia produzida por Itaipu, incluindo a parte que o Paraguai não consome. E mesmo custando mais cara que o preço praticado no mercado.
Mas essa redução não ocorreu.
No final do Governo Bolsonaro, já com a previsão de quitação do pagamento da dívida, o Ministério de Minas e Energia anunciou que a tarifa de Itaipu seria reduzida de US$ 22,60 para 12,67 dólares por kilowatt (kW), em 2023. Acontece que esse valor foi anunciado de forma unilateral, não foi combinado com os paraguaios.
Aí veio a troca de governo. Lula assumiu. Nomeou uma nova diretoria de Itaipu. O então deputado federal Ênio Verri renunciou ao mandato e assumiu como diretor-geral brasileiro. Abrigou a companheirada em assessorias especiais da Itaipu e do PTI e anunciou, logo de cara, um plano mirabolante, o Itaipu Mais Energia.
O que seria esse plano? Seria ampliar a missão institucional da Itaipu, que passaria a investir não somente nos municípios do seu entorno, a chamada Bacia do Paraná III, que inclui municípios lindeiros e região Oeste do Paraná e alguns municípios do Mato Grosso do Sul. Itaipu investiria 1 bilhão de reais em todos os 399 municípios do Paraná e em 35 do Mato Grosso do Sul.
Para fazer esses investimentos, Ênio Verri foi lá, em abril do ano passado, e renegociou a tarifa de Itaipu com o presidente sainte do Paraguai, Mário Abdo Benitez, o Marito. De 12,67 dólares por kilowatt, que era o valor que deveria ficar com o fim do pagamento da dívida, a tarifa aumentou para 16,71 dólares por kilowatt.
Com essa jogada, ele abasteceu o caixa e ficou com mais de 500 milhões de dólares por ano para gastar como quisesse, para fazer política. Não a política energética, mas a política do PT.
O problema é que o Paraguai teve eleições no meio do ano passado. E o presidente eleito, que tomou posse no mês de agosto, o Santiago Peña, é de outra ala do Partido Colorado.
E aí, minha gente, começou o inferno astral do Diretor-Geral Brasileiro.
O presidente entrante do Paraguai entendeu que seria possível obter um acordo mais favorável sobre a nova tarifa de Itaipu. Afinal, se o presidente sainte, há três meses do fim do mandato, conseguiu negociar uma tarifa de 16,71 dólares o kilowatt, o presidente entrante, com mandato de cinco anos, poderia pressionar a elevação dessa tarifa para 20 ou 22 dólares o kilowatt.
É legítimo que o Paraguai lute por seus interesses. Mas há um limite que precisa ser respeitado. A produção de Itaipu atende o mercado cativo, o tal mercado regulado de energia. Estima-se que cerca de 130 milhões de consumidores pagam o grosso dessa conta. Pois os grandes consumidores recorrem ao mercado livre e conseguem preços até 60% inferiores.
Estou relembrando esses fatos para mostrar que a diretoria brasileira errou na condução das negociações com o Paraguai. Desde sempre, sabíamos que a renegociação seria duríssima. Ênio Verri poderia ter esperado o novo presidente eleito do Paraguai tomar posse para negociar a tarifa de 2023. Mas na pressa de viabilizar recursos para os projetos eleitorais do PT, ele se precipitou. Poderia ter esperado três meses e ter feito um acordo retroativo a primeiro de janeiro do ano passado. Nessa imprudência, acabou gerando um impasse que irritou profundamente o presidente Lula.
Os paraguaios travaram a execução orçamentária da Itaipu. Exigiram uma negociação direta entre os dois presidentes. Primeira reunião foi improdutiva. E o impasse permanece. Nem o Itamaraty resolve. E nem o Lula, com toda a sua fama de bom negociador, conseguiu dar um jeito. Pela primeira vez na história, Itaipu não pagou as férias e o décimo terceiro dos seus funcionários. A dívida com os fornecedores aumenta a cada dia. Nesta semana, a empresa foi obrigada pela Justiça do Trabalho a pagar os seus funcionários, em ação movida pelos sindicatos. Outras contas estão atrasadas, o que ameaça até o bom funcionamento da usina.
O jornal Folha de S. Paulo noticiou ontem (25), com base em fontes palacianas, que o presidente Lula está muito irritado com essa situação, pois não há alternativa no horizonte a não ser ceder mais um pouco aos interesses do Paraguai. Em termos geopolíticos, a eleição do direitista Javier Milei na Argentina complicou um pouco para o Brasil. E há fortes indícios que a direita pode voltar com força nos Estados Unidos, Chile e Colômbia. Então, o Brasil não pode perder a parceria com o Paraguai.
Cabeças vão rolar, dizem as fontes palacianas do jornal Folha de S. Paulo. Resta saber, de quem, e como será o desfecho dessa história.
Se o Brasil concordar em aumentar novamente a tarifa de Itaipu, vai penalizar o consumidor residencial, pressionar a inflação e até judicializar a relação com as mais de 30 distribuidoras de energia que são obrigadas a comprar a produção de Itaipu.
E se ceder aos paraguaios, talvez tenha que criar mecanismos de compensação para não transferir essa conta aos consumidores residenciais. Enfim, a tempestade continua. Teremos muita chuva e trovoadas pela frente. Quem viver, verá.
*O autor é radialista, fundador e sócio-diretor do Gccom – Grupo Cantini de Comunicação.
5 comentários
Peter Wiilecke · 28/01/2024 às 11:41
Tenho 60 anos! Observo que interesses outros, não objetivamente ligados ao real bem social e desenvolvimento econômico! E piora quando misturam-se interesses políticos de controle! Nunca deu e dará certo! Basta observar a história pelo mundo a fora!
José Leandro pastore · 27/01/2024 às 15:16
Que a coisa está só começando e vai acabar no bolso dos brasileiros quê votaram ou não nesse desgoverno
Roberto Maciel · 27/01/2024 às 12:33
Este comentario lo hago en nombre de muchos excompañeros trabajadores de la Itaipú Binacional, lado paraguayo, que estamos reclamando, hace 34 años, el pago de todos los beneficios que del lado brasilero han percibido y hasta el momento todo es promesas. Esperamos tener la sencibilidad de las autoridades para recibir lo reclamado ya que todos estamos en edad avanzada y muchos desgraciadamente ya han fallecidos. Pedimos justicia.
José Lino ferreira. · 27/01/2024 às 23:15
O Brasil gastou muito mais na construção da usina Itaipu,e o Paraguai,tirou proveito, acostumado,com Presidente mole .Se fosse o presidente dia Estados Unidos,o negócio mudava.Queria ver se esse folgados dos Paraguaios ,ia chiar.Tomava a Itaipu e pronto.Agora o Brasil dá mole.Se esquecem da guerra,o Paraguai já estava na mão do Brasil,e entregaram as terras de volta ,para os Paraguaios.Pelo menos se ficassem com as represas.Nem pra isso o Brasil não prestou.Agora fica nas mãos dos hermanos.kkkkk
Adilson Martins · 27/01/2024 às 11:55
O Paraguai desde a assinatura do tratado sempre levou a melhor em todas as negociações em detrimento do povo brasileiro!!