Ainda há muito que explicar
É direito inquestionável do presidente da República compor sua equipe com quem ele quiser, desde que, obviamente, preenchidos os pré-requisitos legais, morais e éticos.
O problema em torno desse tema são os motivos que muitas vezes estão por trás do ato de nomear e exonerar alguém, já que se trata de cargos públicos e não empregos na iniciativa privada.
Por esse viés, é intrigante a obsessão que o presidente Jair Bolsonaro alimentava há tempos pela troca do delegado-geral da Polícia Federal, Mauricio Valeixo, homem de confiança do então ministro da Justiça Sergio Moro, que não abria mão de tê-lo em seu staff.
Também causa espanto que o presidente, para levar a cabo seu objetivo, não tenha hesitado em pagar o alto preço de perder um ministro do quilate do ex-juiz da Operação Lava Jato, um herói nacional, admirado no Brasil e no mundo por ter quebrado a longa tradição de impunidade de ricos e poderosos que envergonhava o país, ao mandar para a cadeia dezenas de ilustres empresários e políticos corruptos, entre os quais o ex-presidente Lula.
Em seu contundente discurso de saída, Moro apontou algumas pistas que poderão desvendar os pontos ainda obscuros que permeiam todo esse drama.
Uma delas, por exemplo, seria o suposto desejo de Bolsonaro de exercer maior influência no comando da PF e ter acesso a relatórios das atividades da corporação, coisa que, surpreendentemente, ele próprio admitiu pretender durante o pronunciamento em que rebateu as declarações do seu ex-ministro.
Qual seria a finalidade dessa interferência, que, se viesse a ocorrer, poderia até enquadrar o chefe da nação em crime de responsabilidade? Proteger amigos, aliados e familiares que possam estar no radar de alguma investigação?
Cabe ao ex-juiz dar provas cabais dessa acusação.
Por seu turno, o presidente também precisa apresentar evidências da grave afirmação de que Moro lhe teria dito que aceitava a demissão de Valeixo como contrapartida à sua indicação para a vaga a ser aberta em setembro no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, o que caracterizaria um execrável “toma lá dá cá” igualmente passível de punição.
A ambos, neste momento, resta o benefício da dúvida, que nos instiga a parafrasear em forma de pergunta a famosa citação de Hamlet na célebre peça teatral de Shakespeare: haverá algo de podre no reino da Dinamarca?
Só o tempo dirá.
Uma coisa, porém, é inegável: o governo Bolsonaro sai menor e profundamente enfraquecido desse desastroso episódio, levantando grandes incertezas sobre o seu futuro.
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