Água na fervura
Houve erros, é óbvio, no enfrentamento inicial do novo coronavírus tanto no Brasil como no resto do mundo, absolutamente naturais e até previsíveis diante de uma doença inédita e misteriosa, que ainda segue evoluindo e desafiando a ciência com a produção de intermináveis e ameaçadoras mutações.
Tais equívocos, voluntários ou não, que aparentemente tenham contribuído para agravar a transmissão da enfermidade, poderiam e deveriam ser investigados pelos órgãos de ofício, como as Polícias Civil e Federal e o Ministério Público, não se justificando a instalação de todo o aparato carnavalesco de uma comissão parlamentar de inquérito, a não ser por odiosa guerra política e mesquinho oportunismo eleitoreiro, como foi o medíocre espetáculo encerrado melancolicamente no Senado.
O pior de tudo é que além de desmoralizar uns dos instrumentos mais importantes da democracia, a ópera-bufa comandada pelo impoluto relator Renan Calheiros e seus coadjuvantes vai decepcionar profundamente quem está esperando que as acusações feitas pelo relator levem para a cadeia um monte de autoridades e empresários apontados como culpados pela pandemia.
Não se trata de mera previsão pessoal sobre o desfecho do episódio. É a realidade da vida que irá se impor às expectativas.
É de conhecimento geral o desapreço que o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, tem pelo presidente Jair Bolsonaro, e vice-versa. Ambos trocaram pesadas ofensas em torno da urna eletrônica: Bolsonaro levantando suspeitas sobre a inviolabilidade da máquina e pedindo o voto impresso, e Barroso, no papel de presidente do TSE, defendendo ardorosamente a segurança da tecnologia.
Não poderia haver, portanto, opinião mais insuspeita que a do magistrado a respeito das imputações que Renan faz em seu relatório ao presidente da República e a mais de 60 pessoas.
Veja o que ele falou acerca disso em entrevista ao UOL: “O Ministério Público não estará vinculado a esta tipificação. O Ministério Público deverá trabalhar com os fatos que foram apurados e pode dar diferente qualificação a esses fatos ou até considerá-los atípicos.”
Barroso afirmou que é comum o relatório de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, como a da Covid, trazer tipos de crimes e pedir indiciamento de investigados, mas reforçou o “caráter político” da decisão.
Disse o ministro com todas as letras: “Colocar ou não um rol de crimes no relatório é uma decisão política. Não é incomum que seja feito, mas a implicação jurídica é bem reduzida, porque não interfere no juízo que o Ministério Público fará dos fatos que foram apurados.”
Lamento sinceramente se você está entre aqueles que irão sofrer uma enorme frustração quando toda essa história, daqui a um bom tempo (sim, porque isso vai longe), terminar com todos os envolvidos confraternizando ao redor de uma suculenta pizza, como é o destino de praxe de todas as CPIs na terra dos tupinambás.
Não foi por falta de aviso.
1 comentário
Marcos Villanova de Castro · 24/10/2021 às 13:37
Perfeito, Caio.
A lamentar, além do espetáculo de baixíssimo nível comandado por Azis, Calheiros et caterva, a oportunidade perdida de investigar os prefeitos e governadores que se locupletaram com recursos destinados ao enfrentamento do covid.