O triunfo do fracasso
Caótica é a palavra mais apropriada para definir a atual situação econômica, política e social da Argentina.
Outrora uma das nações mais ricas e pujantes do mundo, ela encontra-se, literalmente, à beira do colapso: inflação nos últimos 12 meses já superando 60%, juros anuais a mais de 50%, dólar na cotação recorde de 280 pesos, quase 50% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, desemprego crescendo em ritmo galopante, empresas fechando as portas, produção agropecuária e industrial em franco declínio e, como se não bastasse, o presidente Alberto Fernández em crescente rota de colisão com sua vice Cristina Kirchner, o que, aliás, já era mais do que esperado.
Mesmo tendo falhado todas as receitas populistas de gastos desenfreados do dinheiro público aplicadas nas últimas duas décadas para tentar conter uma crise que só vem se agravando, o governo esquerdista da dupla peronista persiste colocando em prática as fórmulas desastrosas do socialismo que nunca deram certo por lá e nem no resto do planeta, além de influenciar políticos brasileiros irresponsáveis, aliados ideológicos, a terem as mesmas ideias de jerico.
Um projeto de lei apresentado por deputados federais do PT, copiado de medida similar em vigor no país vizinho, propõe a criação de um imposto para frear o que seria uma “compulsão exportadora” de alimentos do Brasil em relação a itens como soja, milho, arroz e carnes.
O mau exemplo que os petistas querem seguir é o tributo denominado “retenciones”, que obriga o produtor argentino de soja, por exemplo, a pagar uma taxa de exportação de 33%.
No setor de proteína animal, para “estimular” a produção e supostamente garantir o abastecimento interno, o governo proibiu as exportações de sete tipos de corte de carne até o final de 2023.
Um estudo da Fundação Agropecuária para o Desenvolvimento da Argentina (Fada), de março deste ano, aponta que de cada 100 pesos de receita gerados no campo, a Casa Rosada já embolsa 65 em impostos.
Em algumas regiões, a pesada carga tributária criou um cenário de terras ociosas.
Mais de 70% dos campos são cultivados mediante contratos de arrendamento – ou seja, o empreendedor tem que tirar o imposto, o custo de produção e o valor do arrendamento antes de contabilizar qualquer lucro.
Feitas as contas, muitos preferem nem plantar.
Como assinala a engenheira-agrônoma argentina Paulina Lescano, “o objetivo declarado pelo presidente Fernández era evitar o aumento do preço dos alimentos, mas a verdade é que até agora isso nunca aconteceu. O que se conseguiu foi baixar o preço pago ao produtor. E o governo encontrou uma maneira bárbara de arrecadar imposto. É fácil de cobrar, é automático. Vendeu ao exterior, o imposto já entra no caixa”.
Ela aponta que a dependência do estado argentino das “retenciones” chegou a tal ponto que, hoje, 11% de toda a arrecadação federal vêm dos impostos de exportação. Mas isso tem seu preço.
“Nenhum segmento da economia suporta um sócio que chega e tira 33% do faturamento. A Argentina já chegou a plantar 22 milhões de hectares de soja, mas hoje está com 16 milhões. Vai ficando só com as áreas de maior produtividade e onde não tem arrendamento. No passado, o Brasil produzia o equivalente em grãos a uma Argentina e meia. Hoje já produzimos três vezes mais. Se adotarmos essa política tributária por aqui, em duas safras você quebra o segmento. Em cinco anos passaríamos de um gigante de exportação para um importador de alimentos para matar a fome do povo”, alerta o consultor brasileiro Vlamir Brandalizze.
Se o efeito pode ser tão acentuado na economia brasileira, como explicar que os argentinos têm suportado por tanto tempo? “Porque eles estão perto dos portos, o custo de logística é mais baixo que o nosso e os solos são bem melhores. A Argentina consegue quebrar mais lentamente do que o Brasil”, pontua Brandalizze.
Na produção de carnes, o mercado se deprimiu a tal ponto que os “hermanos”, grandes fornecedores mundiais da proteína, passaram de exportadores a importadores. Milhares de produtores acabaram vendendo suas matrizes, porque já não estava mais dando lucro.
Em suma, nem as letras mais trágicas cantadas nos tangos portenhos poderiam a descrever a triste realidade vivida pelos argentinos.
O pior é que eles não têm nem o direito de reclamar: foi a escolha que fizeram.
Espera-se que os eleitores brasileiros sejam mais sábios.